quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A CURA


A Cura é o tipo de filme em que compramos os absurdos do roteiro graças ao talento de seu diretor para criar uma atmosfera envolvente. E convenhamos, Gore Verbinski é um cineasta talentoso e versátil – observe, por exemplo, o clima opressivo que cria em O Chamado, ou aquele melancólico de O Sol de Cada Manhã, a direção inventiva dos três primeiros Piratas do Caribe, e ainda, a abordagem épica e reverente de Rango. Só nesse apanhado, temos gêneros, técnicas e temas muito distintos, e todos igualmente eficientes. Pois aqui não é diferente, e embora talvez o realizador esteja se tornando um pouco autoindulgente (pois a trama se arrasta um pouco mais do que deveria), é inegável que o longa-metragem consegue criar um mistério palpavelmente denso com a sua narrativa.


Jovem sócio de uma empresa que está prestes a fazer uma importante fusão, Lockhart (Dane DeHaan) é enviado para a Suíça pelo conselho de sua firma para trazer de volta o Sr. Pembroke (Harry Groener), que se hospedou em uma espécie de sanatório no alto dos Alpes para um tratamento alternativo contra o estresse, e que desde então não voltou mais. Dirigido pelo dúbio Doutor Voolmer (Jason Isaacs), o lugar opera em um antigo castelo e ainda sem as tecnologias do mundo moderno, se mostrando gradualmente mais difícil de se abandonar conforme sua verdadeira natureza se torna mais enigmática.

Uma mistura então de Ilha do Medo com (insira aqui qualquer filme com uma instituição médica malvada), A Cura poderia claramente ser um desastre sem a condução correta. E basta perceber depois, por exemplo, a função de roteiro do “prólogo” para entender que é o esforço de Gore Verbinski que o torna tão intrigante. Dono de um visual sempre interessante, o cineasta tem uma aptidão notável para criar planos que, através de sua beleza plástica, conferem um maior interesse a momentos que, em outras mãos, teriam sido ou triviais (como aquele que acompanha a lateral de um trem em movimento, dividindo a tela entre o corpo do veículo e seu reflexo nas próprias janelas), ou apenas comuns – e um diálogo à beira de uma fonte impressiona quando Verbinski abre o quadro e revela os Alpes se erguendo tanto acima da cabeça dos personagens ao fundo, quanto em primeiro plano e abaixo deles no espelho d’água.

É essa visão aguçada, aliás, que lhe dá também a sensibilidade para cortar, em meio a um diálogo tenso, dos típicos planos e contra-planos para um close fechadíssimo da superfície de um copo de água suado, ou para o pé de uma muleta esmagando um cigarro aceso em outro instante, e ainda, para enfocar um simples momento em que Lockhart fuma no escuro, com uma luz fraca e esverdeada sob sua cabeça que marca o contorno de seu rosto e da fumaça que expira. Tudo isso, claro, poderia ser apenas bonito de se ver, ainda mais com a fotografia repleta de tratamentos de pós-produção e filtros que remetem ao estilo de Zack Snyder. Porém, e aqui é bom eu ter citado o cineasta por trás de 300, Watchmen e O Homem de Aço, Verbinski se diferencia desse último por ser também um sóbrio contador de histórias, e longe da imaturidade narrativa do outro, que sempre depende de outros fatores para funcionar, Gore é um hábil idealizador de atmosferas.

É bem verdade que, aqui, ele começa a denunciar um esmero exagerado por suas cenas, e uma ou outra se alongam na montagem um pouco mais do que deveriam, apesar de, invariavelmente, sempre criarem alguma tensão. Um bom exemplo de sua eficiência, entretanto, é a sequência em que o protagonista entra em uma sauna e a descobre impossivelmente labiríntica. A calma ao acompanhar o mancar do personagem aposento por aposento, transporta organicamente o espectador do ambiente rotineiro do sanatório para um que poderia ser um pesadelo, e quando esse cenário deságua em um diálogo com um dos pacientes do lugar, a dúvida que paira no ar sobre a veracidade daquela conversa (estaria ela ocorrendo apenas na cabeça deles?), confere perfeitamente ao longa o clima de paranoia no qual Lockhart se encontra.

Ajuda nessa imersão, claro, o competente design de produção de Eve Stewart (colaboradora habitual do péssimo Tom Hooper, e que obviamente se sai melhor quando nas mãos de um cineasta que sabe o que está fazendo), que imagina o sanatório como um labirinto repleto de ambientes singulares; e também os figurinos da veterana Jenny Beavan (premiada com o Oscar no ano passado por seu trabalho incrível em Mad Max: Estrada da Fúria), que por sua vez consegue diferenciar os personagens entre si (médicos de pacientes e esses do protagonista), apesar de todos usarem branco na maior parte do tempo.

Beneficiado ainda pela performance intensa de Dane DeHaan (um ator que admiro muito e, infelizmente, considero ser subestimado) e aquela cínica do sempre ótimo Jason Isaacs, A Cura só peca mesmo na figura antipática de Hannah, que Mia Goth falha em tornar interessante. Sim, é óbvio desde o início que existe algo de errado com aquele lugar, e se por um lado Verbinski não deixa espaço para que duvidemos disso em momento algum, o que corta o impacto das reviravoltas, por outro, essas só não soam absolutamente ridículas apenas em detrimento do empenho do cineasta para preparar o terreno antes. E em última análise, como dizia o mestre Roger Ebert, não importa sobre o que um filme é, mas como ele é sobre o que é.


NOTA: 8/10


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