sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

LA LA LAND


Não é raro ouvir alguém dizer que este ou aquele filme é “para desligar o cérebro”. Me perdoem aqueles que conseguem realizar tal operação, mas no meu entendimento, filmes nos quais eu não precisaria usar o cérebro são chamados de ruins. Dito isso, La La Land não é um projeto que inspira grandes reflexões, que rompe barreiras artísticas ou que tencione qualquer questão política. Sua trama existe apenas para justificar aquilo que sabe oferecer: uma atmosfera criada através do espetáculo audiovisual. E por entender que isso não é uma coisa ruim, e que o cinema garante liberdade suficiente para que suas obras nem sempre precisem encontrar respaldo na realidade, é que esse musical se faz merecedor da alcunha de: mágico.


Aliás, se La La Land provoca uma racionalização mais profunda, é essa: mesmo com todas as suas dores, tramas paralelas que não dão em nada, pontas soltas e conflitos jamais resolvidos, não há, na imperfeição da vida real, uma beleza equiparável àquela que constroem os mais bem polidos roteiros de Hollywood? Pois ao nos levar pela história de dois jovens sonhadores de Los Angeles, esse filme nos mergulha em um mundo que reflete as expectativas cinematográficas de vida deles: além de uma palheta de cores básicas e saturadas, que constantemente refletem as situações e os humores nos figurinos e cenários, há, claro, os números de canto e dança que permeiam a narrativa. O que permite ao cineasta Damien Chazelle (do excelente Whiplash: Em Busca da Perfeição), criar também uma simples e eficaz homenagem à era de ouro dos musicais.

Ainda em seus créditos iniciais, o cineasta já brinca com a trajetória do gênero dentro da história do Cinema ao passar da clássica razão de aspecto 1.33: 1 (formato de tela quadrado que já foi padrão e que se eternizou em filmes como os de Chaplin, por exemplo) para o CinemaScope 2.55: 1 (o conhecido widescreen, formato de tela retangular que hoje é padrão, popularizado justamente através do sucesso junto ao público dos musicais e dos western). Contando ainda com um prólogo que investe num plano sequência (com certeza repleto de cortes muito bem escondidos) que descortina uma coreografia povoada de cores vibrantes, também acaba referenciando o orgulho que aquelas produções tinham de usufruir da Technicolor, técnica de coloração que sendo na época novidade, transformou musicais como Mary Poppins, Amor, Sublime Amor e Cantando na Chuva (sutilmente homenageado) em um desfile de cores básicas, chapadas e supersaturadas.

A partir daí conhecemos a aspirante a atriz Mia (Emma Stone, centro emocional do projeto) e o pianista Sebastian (Ryan Gosling, sempre carismático e por vezes surpreendentemente delicado), e, primeiramente a partir do ponto de vista de um, e depois do outro (como em Os Guarda-Chuvas do Amor), descobrimos suas rotinas e sonhos: ela é atendente em uma cafeteria e faz testes de elenco sempre que pode; ele viu o tradicional clube de Jazz em que tocava ser transformado em algo que desaprova, enquanto lida com trabalhos que não lhe permitem a liberdade que costumava ter. Depois de se esbarrarem algumas vezes, os dois obviamente se interessam um pelo outro e passam a construir suas vidas e carreiras juntos, o que não vão ser tarefas tão facilmente conciliáveis.

Entretanto, apesar de calcado no formato clássico dos musicais, incluindo o mesmo estilo de diálogos leves e bem humorados, e ainda os longos planos que (além de irem contra a corrente moderna de montagem) permitem ao espectador acompanhar as composições de coreografias e performances corporais, La La Land consegue emular a dinâmica entre os casais protagonistas do gênero, sem com isso soar datado. Assim, mesmo que Sebastian exiba a postura clichê do homem prepotente, que lidera os números de dança e se sente na obrigação de cavalheirismos como abrir a porta do carro para uma dama, é interessante perceber que Mia não se contenta com o papel de par de valsa, e assume o protagonismo de suas decisões e mantém uma atitude orgulhosa em relação ao seu trabalho. Aliás, a determinação da moça pode ser encontrada em seus figurinos, que acompanhando as recorrentes cores chamativas do projeto, traduzem o seu otimismo (verde, azul, amarelo), mas também premeditam eventuais obstáculos em seu caminho, e quando a vemos surgir em peças roxas, podemos inferir, com razão, que algo ruim irá lhe acontecer (por tradição, o roxo é associado a coisas fúnebres, melancólicas).

Aliás, todo o design de produção e a fotografia também conversam com os personagens nesse sentido, e não só podemos observar de maneira óbvia mudanças drásticas na iluminação que ressaltam esse ou aquele sentimento (se um spot surge sobre Sebastian aqui, ali uma difusa luz esverdeada banha o casal), mas também detalhes como o pôster de Ingrid Bergman que tapa uma das paredes de Mia e denuncia sua aspiração, ou a disposição metódica e quadrada dos móveis no apartamento de solteiro de Sebastian em certo momento, que parece adequada ao homem que insiste em fazer as coisas do seu próprio jeito.

E é ao orquestrar esses elementos que Damien Chazelle prova que não é cineasta de um sucesso só. Depois de coordenar esforços parecidos para criar a atmosfera opressiva e angustiante de Whiplash: Em Busca da Perfeição, aqui ele os emprega para alcançar tamanha leveza que não surpreende em certo momento os personagens sairem literalmente flutuando. São essas abstrações, aliás, próprias do gênero, que escancaram o orgulho que La La Land tem de, muito além de um musical, ser também Cinema, pura e simplesmente, pois entende que essa linguagem lhe permite liberdades que encantam simplesmente pelo fato de serem tomadas, e, portanto, se bem dosadas, soam mágicas quando entram em cena: é a filha que volta à vida em A Fonte da Donzela, a chuva de sapos em Magnólia, o milagroso resgate do T-Rex em Jurassic Park ou o alçar de voo de Riggan em Birdman ou (AInesperada Virtude da Ignorância). Aqui, é um número de sapateado espontâneo ou uma valsa nas estrelas, que momentaneamente lembram o espectador que a sétima arte tem a capacidade de apenas ser, e com isso, instigar profundos sentimentos, sem passar pela racionalização – e mesmo aqui, quando é exigido apenas o coração para que se absorvam essas cenas, “desligar o cérebro” destruiria o trabalho do filme, já que é preciso primeiro entender racionalmente os limites delimitados pela obra, para então entender o sentimento causado quando o cinema vem quebra-los.

E como não encontrar beleza em um filme que, apesar de não depender delas, instiga (além de tantos sentimentos) uma reflexão tão sentimental? 



NOTA: 10/10


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