quinta-feira, 19 de maio de 2016

X-MEN: APOCALIPSE


A força dos filmes X-Men nunca residiu apenas em seus méritos técnicos, ou unicamente em figuras emblemáticas, mas sim numa pauta que, transferida da nossa realidade para um mundo de fantasia, ganhou poder representativo e, portanto, humano. A aceitação das próprias diferenças e singularidades é um tema que conversa com a história de qualquer sociedade, principalmente nos dias de hoje, quando minorias e grupos sociais oprimidos como os LGBT, os pobres, os negros e as mulheres lutam para garantir igual direito a espaço entre os demais. Portanto é apenas apropriado que Bryan Singer, dirigindo o seu quarto filme da franquia dos mutantes, decida apelar na já tradicional sequência de abertura dos créditos, para um túnel que atravessa as eras da humanidade e seus diversos e tão únicos estilos, não deixando de passar também pela suástica nazista e nos lembrar não só do impacto que aquele movimento teve na história humana, como também o que ele representou: o extermínio de qualquer um que fugisse a um padrão estritamente estabelecido. Por isso que é um tanto frustrante que X-Men: Apocalipse, diferente dos 5 filmes anteriores da franquia, se concentre tão pouco nas questões políticas e sociais que antes eram o mote de todas as tramas, ainda que funcione ocasionalmente como algo a mais do que mais um filme de super-heróis. 


Dez anos depois dos eventos de Dias de um Futuro Esquecido é despertado, na cidade do Cairo, um mutante que dizem ser o primeiro de todos. En Sabah Nur (Oscar Isaac) foi traído no Egito antigo e acredita ser o pai de todas as pessoas com o gene x mutante, acordando milênios depois para descobrir que o mundo foi tomado pelos seres humanos normais, a quem ele chama de “fracos”. Para retomar o seu plano de dominação global apenas da espécie mutante, ele começa a juntar seguidores, e quando Magneto (Michael Fassbender) se torna um deles, o Professor Xavier (James McAvoy), Mística (Jennifer Lawrence), Fera (Nicholas Hoult) e Mercúrio (Evan Peters) tem de tentar pará-lo, unindo forças com alguns novos talentos recém descobertos e ainda em conflito com seus próprios poderes, como Jean Grey (Sophie Turner), Ciclope (Tye Sheridan) e Noturno (Kodi Smit-McPhee).

Então, seguindo em uma mão diferente do que vimos antes, Apocalipse prefere se concentrar mais no habitual embate entre o vilão megalomaníaco e o time de heróis, do que nos conflitos gerados pelas diferentes ideologias de Xavier e Magneto, que moveram os longas anteriores. Entretanto, o projeto não abandona de todo o debate estabelecido pela franquia, que aqui assume um viés religioso. E é impossível não encarar En Sabah Nur como um desses típicos “profetas” que usam as crenças e as vulnerabilidades alheias para usurpar de todos ao seu redor em vista de seus próprios objetivos pessoais. Não há diferença, por exemplo, em vê-lo pedindo aos seus discípulos que lutem até a morte protegendo-o, e assistir a Marcos Feliciano exigindo que seus fiéis lhe deem dinheiro para comprar um carro para a filha - ainda que, a metáfora do vilão se estenda a Youtubers débeis que incitam o ódio, políticos conservadores que legislam com ideias retrógradas e, claro, pastores que investem seu tempo em boicotar propagandas. Enquanto isso, a aceitação total é pregada no grupo de Xavier, que agora enfatiza que seus alunos devem tentar atingir o seu máximo potencial, e mais de uma vez o vemos pedindo a um dos alunos para que use sua capacidade máxima sem medo para ajudar na causa. Ora, se a metáfora continua se aplicando, esse novo X-Men deixa de focar na interação social entre a população geral e grupos oprimidos, para se deter mais em como os indivíduos dentro desses grupos interagem consigo mesmos. Deve uma mulher se conter em ser tudo aquilo que quer ser porque a sociedade espera que ela seja bela, recatada e do lar? Deve o homossexual ou o transexual esconder sua verdadeira identidade ou traços dela porque isso incomodaria os demais? Segundo o que vemos aqui, não. Deixe que tudo o que você é transpareça, esse é o único modo de derrotar vilões que pretendem dominar, padronizar, segregar e até exterminar os que são diferentes. Pode ser uma “lição” mais genérica que a dos roteiros que vimos antes, mas não deixa de ser válida - e que as aventuras do grupo continuem a gerar esse tipo de reflexão, mesmo que de forma rasa, como acontece aqui, é sempre um bom motivo para retornar ao seu universo. 

Porém, mesmo sem uma análise mais aprofundada, Apocalipse sobrevive tranquilamente como um divertido e inventivo filme de ação e aventura. Mantendo seu longa sempre visualmente interessante, Bryan Singer investe em movimentos de câmera inclinados, acompanhados de deslizamentos laterais ou travellings que sempre sugerem dinamicidade às suas sequências - apesar de continuar a demonstrar seu fraco para com planos criados por computação que nem sempre servem à narrativa, e que mergulham em estruturas e objetos, ou que apenas fazem movimentos que seriam impossíveis de se realizar sem a ajuda do CGI. Apesar disso, o cineasta e sua equipe de efeitos visuais conseguem entregar uma cena envolvendo Mercúrio tão fantástica quanto a sua primeira aparição em Dias de um Futuro Esquecido. Acompanhado sempre do compositor John Ottman, Singer dá oportunidades que a trilha aproveita bem para comentar momentos chave da trama, deixando o clássico tema apenas para o ápice do clímax, quando finalmente vemos os X fazendo aquilo que os definem: usando seus podres em conjunto para ajudarem uns aos outros. O que sempre alardeia sobre outro aspecto da nossa realidade: é preciso que os indivíduos, oprimidos ou não, estejam juntos, agindo em união para derrotar caras maus como o déspota visto aqui.

O vilão, aliás, é vivido por Oscar Isaac com alguma dificuldade, devido à pesada maquiagem. O talentoso ator, entretanto, faz escolhas acertadas para contornar o desafio, e aposta em uma performance menos baseada nas expressões do que na entonação e na postura, usando da limitação de movimentos que a roupa e os adereços lhe impuseram, para incorporar no algoz o comportamento de alguém que, com poderes quase ilimitados, quase nunca teve que gesticular, usar os membros com frequência ou mesmo levantar a voz - que não seja pra proferir discursos messiânicos. Já McAvoy e Fassbender repetem as suas intensas performances, sendo prejudicados apenas eventualmente por tropeços do roteiro ou da direção. Enquanto isso, Jennifer Lawrence compõe Raven com um ar cada vez menos empático (e não sei se é sua composição ou apenas a má vontade da atriz, que costuma ser carismática e, sim, muito talentosa), mas que funciona para trilhar o caminho para a vilã que sabemos que Mística supostamente irá se tornar - será?. Já dentre o trio de novatos, enquanto Tye Sheridan e Kodi Smit-McPhee (dois jovens intérpretes que admiro muito) constroem seus personagens com eficiência no espaço que lhes é dado – o primeiro assumindo a liderança sem soar um babaca, e o segundo, esbanjando a timidez e o carisma em contraste com um ser que deveria assustar apenas pela sua aparência – é Sophie Turner quem rouba as atenções sempre que em cena, convencendo facilmente o espectador do arco de transformação percorrido por Jean Grey ao longo do filme.


Já a Tempestade (Alexandra Shipp) e Psylocke (Olivia Munn) pouco conseguem fazer, e surgem mais como curiosidades interessantes do que como peças fundamentais desse tabuleiro. O que não se pode dizer da ponta feita por um conhecido personagem da franquia, que tem seu destino e passado rapidamente explicados, para que possa ser retomado depois. O que deve ser o rumo que a franquia seguirá agora, prometendo continuar sem jamais abandonar sua discussão humana e madura, que por mais escanteada que tenha ficado nesse que já é o sexto filme da saga, ainda é interessante o suficiente para deixar os debates artificiais de Batman vs Superman e a birra entre o Capitão América e o Homem de Ferro no chinelo.  


NOTA: 8/10


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