sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

BROOKLIN


É notável como Brooklin conta a sua história através das cores. Muitos filmes parecem ignorar que existem outros meios de narrar a sua trama além do roteiro. Montagem, fotografia, figurino, design de produção, atores, trilha sonora, som, ou a ausência dele, posicionamento de câmera, composição de quadro e etc., são todas ferramentas da linguagem cinematográfica que podem ser usadas (e deveriam ser mais pensadas) para que as obras se comuniquem com o público. Não fosse o suficiente, e embora pareça estúpido ter de apontar o óbvio, são elementos que podem trabalhar juntos, gerando inúmeras possibilidades de mensagens, tons, sentimentos, etc. Aqui, não temos a mais sofisticada ou elaborada das tramas, e ainda assim, é incrível que Brooklin consiga transformar a sua história incrivelmente simples em um belo filme, que exprime delicadeza e magnetismo justamente da utilização de um padrão tão básico de associação quanto o das cores. Afinal, como dizia o (infelizmente) já falecido Roger Ebert, não importa sobre o quê um filme é, mas sim como ele é sobre o que ele é.


Um ensinamento que, se ignorado (e normalmente é), pode gerar uma resistência quanto a esse projeto, que basicamente conta sobre uma garota irlandesa, Eilis (Saoirse Ronan), que imigra para o Estados Unidos em meados da década de 1950 em busca de uma vida com mais oportunidades, deixando a mãe e a irmã mais velha para trás. Uma vez na América, a moça é recebida em uma pensão e colocada para trabalhar como atendente em uma loja de artigos de grife. Primeiramente triste por sentir falta de casa e da família, ela logo se adapta e chega mesmo a conhecer um rapaz italiano, Tony (Emory Cohen), com quem começa a sair. Entretanto, um evento faz com que volte para a Irlanda, dividindo-a sobre voltar para o seu novo lar, ou ficar no antigo.

Trata-se de um drama que poderia soar terrivelmente aborrecido, mas que aqui ganha contornos mais interessantes quando passamos a notar que, a exemplo do seriado Breaking Bad, existe um esquema de cores que domina a narrativa e a ajuda a se contar. Não menos curioso é que ambos, a série e Brooklin, partem do verde e seu simbolismo direto com os protagonistas. Se na história de Walter White a cor significava o dinheiro que ele tanto almejava, aqui ela claramente representa o peso que a Irlanda tem na personagem de Ronan, que já o veste em tons claros quando ainda segue sua rotina no país, passando imediatamente para o tom mais escuro de um casaco pesado quando está partindo, indicando o sentimento forte que está levando com ela. Ainda mais interessante é notar que a americana que Eilis conhece à bordo do navio usa vermelho, que o filme passa admitir como a cor “americana”, mas que também indica força, o que vai ser trazido de volta mais adiante quando, já começando a se habituar ao novo continente, a irlandesa exibe trajes listrados de vermelho, indicando sua gradual adesão, até que ele toma totalmente conta do seu figurino. Ainda que, de maneira esperta, a produção vista a personagem com um discreto verde por baixo, indicando que apesar da sua naturalização na América, Eilis não esqueceu suas origens.

Da mesma forma, as cores parecem trabalhar em função da garota nos outros personagens, e no primeiro jantar na pensão, enquanto ela veste rosa (que não deixa de ser um vermelho bastante diluído), indício de que está tentando se adaptar, a Senhoria (Julia Walters), veste verde, dando a entender que também está se esforçando para que a novata seja bem recebida. O mesmo verde que Tony usa para tentar se passar por irlandês, posteriormente assumindo o marrom como sua identidade italiana, sendo admirável que em uma nova tentativa de ser bem recebida, a protagonista vista bege (que não deixa de ser um marrom bastante diluído) quando vai jantar com a família do garoto pela primeira vez. Até que, quando finalmente assumem um namoro, podemos vê-la desfilando com verde e marrom combinados.

Porém, nem tudo permanece feliz, e o azul, que remete à tristeza, toma conta das vestimentas de Eilis quando ela recebe notícias ruins de casa (não vou dar spoilers, prometo). E assim que desembarca na Irlanda para uma visita, a cor que veste é o amarelo, indicando sua perspectiva de trazer alegria ao lugar, destacando-se de uma das integrantes da sua família, que usa o verde por cima do preto, anunciando seu desejo de que Eilis fique ali, em detrimento dos ocorridos. E assim, do amarelo vivo que trazia consigo, é apenas natural que ao ser confrontada com sentimentos tão díspares, Eilis se entregue a uma profunda melancolia, estampada em um vestido azul escuro, que ainda traz os detalhes geniais de enfeites de cristal em forma de gotas na gola, contrastando com a amiga Nancy, que por sua vez veste o mesmo amarelo com que a moça regressara ao país, em uma clara tentativa de se parecer mais com a amiga como ela é hoje. Muito embora Ronan demore a vestir outra cor que não a da tristeza, mesmo que os tons comecem a se tornar mais claros com o passar do tempo.

Aliás, nesse processo todo, Saoirse Ronan consegue, com brilhantismo, não ser carregada pelos simbolismos do filme, entregando uma personagem emotiva que reconhece aos poucos a própria força (e por isso o vermelho também), mas que jamais parece ceder à insensibilidade nessa transformação. E se no começo do filme a vemos como uma figura minúscula e exausta trabalhando em uma padaria, mais para o fim, ela surge gigante e mal acomodada dentro de um escritório que, pequeno, escuro e completamente fechado, parece já ser diminuto demais para o tamanho da personalidade que Eilis passou a ter. Assim, com um fade que, por alguns instantes, coloca ela dentro da cabeça de Jim (Domhnall Gleeson, sempre eficiente) - já que, era nos pensamentos dele que a moça deveria estar mesmo - é que a protagonista toma sua decisão de ficar ou voltar. Uma escolha que, claro, quando feita, é imediatamente esboçada nas cores do figurino dela.



NOTA: 8/10


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