quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

STEVE JOBS


Ágil e empolgante não é como normalmente podemos descrever uma cinebriografia (é como eu descreveria O Lobo de Wall Street, mas aí estamos falando de filmes que alcançam o mesmo resultado de maneiras muito diferentes), porém, esses parecem ser os adjetivos ideais para essa que foi colocada nas mãos do roteirista Aaron Sorkin, que já havia provado seu talento nas linhas rápidas do primoroso A Rede Social – não por acaso, outra cinebiografia de um talento que causou grandes mudanças a partir da computação. E se no filme sobre Mark Zuckerberg o autor contava com a direção do excelente David Fincher, aqui é Danny Boyle quem encabeça o projeto, servindo perfeitamente à verborragia de Sorkin na sua abordagem sempre mais preocupada em manter a visualidade interessante. 


Usando como base o livro biográfico homônimo escrito pelo jornalista Walter Isaacson, Aaron faz em Steve Jobs uma escolha interessante e, ao invés de tentar cobrir toda a carreira do biografado (estratégia mais comum e que normalmente confere a esse tipo de projeto um ritmo mais calmo), resolve abordar o seu objeto de estudo a partir de três recortes distintos: os bastidores dos momentos que precedem a cerimônia de lançamento do Macintosh em 1984, do NeXT em 1988 e do iMac em 1998. Estabelecendo assim três atos bem marcados, esses blocos só são interrompidos quando entrecortados aqui e ali por rápidos flashbacks que nunca cometem o crime de interromper o ritmo da narrativa. Muito pelo contrário, se misturam ao arco principal em montagens paralelas e adicionam ainda mais velocidade a ele. E o montador Graham Elliot merece nota por momentos como aquele em que o protagonista e seu antigo CEO (Jeff Daniels) têm uma acalorada discussão intercalada por outras cenas que compõe o assunto da briga - ainda sendo interessante como Boyle trata uma dessas lembranças como algo expressionista, com um ambiente escuro pontuado apenas por pequenos focos de luz convenientemente dramáticos, enquanto a chuva do lado de fora e quadros angulosos tornam a lembrança o cenário de um pesadelo.

Já Sorkin obviamente se diverte criando repetições temáticas nos três atos, com encontros que provavelmente não aconteceram daquela maneira e nem naqueles momentos, mas que ajudam a tornar eles uma representação mais completa do personagem principal e de suas relações ao trazer a comparação dessas interações com as mesmas pessoas em épocas diferentes. Já as típicas argumentações longas escritas pelo autor voltam a se apresentar em falas rápidas que nunca surgem descarregadas de algum sarcasmo ou ironia, o que ajuda na dinamicidade, criando um pingue-pongue muitas vezes cômico entre eles - além de servir para ressaltar também a natureza puramente racional de figuras como Jobs (Michael Fassbender) e Andy Hertzfeld (o sempre ótimo Michael Stuhlbarg), ainda que seus intérpretes garantam que em questão de personalidade, ambos sejam radicalmente diferentes, apesar da base lógica em comum. Fassbender, por exemplo, constrói o personagem título baseado em uma frieza calculista e pouco carismática. Aliás, seu nível de empatia parece beirar o zero na maior parte da projeção, o que se poderia apontar como um exagero da parte do ator, e basta que se assista a alguns vídeos do verdadeiro Steve Jobs para descobrir nele algum grau de carisma que permitia ao menos que fosse um apresentador sorridente e paciente. Mas aí percebemos que, na verdade, o filme jamais nos deixa ver o Jobs que interagia com o público, preferindo se concentrar no homem dos bastidores, obcecado pelo design e pelos pequenos detalhes visuais que vendiam o seus produtos muito mais pelas aparências do que pela utilidade ou conteúdo - como o próprio idealizador deles, menos preocupado com quem era e como era, do que com quem ele devia parecer ao mundo. O que torna, portanto, a decisão de ocultar seu lado show man ideal ao filme. Claro que isso também deve ter sido uma escolha mais prática para Sorkin, que obviamente tem uma maior facilidade em lidar com figuras do gênero, como pode ser notado no próprio A Rede Social ou no seriado The Newsroom – estrelado por Jeff Daniels, por falar nisso.

Em contraponto ao protagonista, Kate Winslet traz para Joanna Hoffman um eterno vinco de preocupação na testa, e sua interação com Jobs é o que nos faz decidir aturar o egocêntrico personagem (por vezes monstruoso) no começo do filme. Enquanto isso, Steve Wozniak tem pouco tempo em cena na encarnação de Seth Rogen, que ainda assim consegue impregnar o Steve que merecia tanta atenção quanto o Jobs com a sensatez necessária para assumirmos o seu lado em discussões importantes durante a trama. E Jeff Daniels, como o pragmático John Sculley, serve como mentor e principal opositor de Jobs, ainda que seja difícil se posicionar contra ele, principalmente quando suas argumentações parecem não só serem as únicas que acompanham a ferocidade das do protagonista, como parecem ainda ter o bônus de serem mais bem pensadas e fundamentadas, e ver em certo ponto a sua figura velha e obviamente deprimida tentando explicar um ponto ao outro não ajuda a gerar mais simpatia por Steve.

Já Danny Boyle, que costuma ser a estrela principal de seus filmes, aqui arrisca por vezes ser deixado de lado para que o espetáculo de Sorkin, Elliot, Fassbender e elenco siga em frente. Porém, o cineasta jamais se deixa ser engolido e volta a apresentar suas impactantes imagens saturadas e que normalmente apresentam algum padrão de repetição como poltronas vermelhas, ou placas de acrílico azuis ou texturas verdes numa parede, apesar de aqui ter de seguir constantemente os personagens durante suas discussões. Fora disso, quase nunca abandona enquadramentos fixos e câmeras estáveis que criam planos ao menos elegantes em suas composições, apenas de vez em quando se permitindo alguns maneirismos, como quando brinca com projeções alheias aos personagens de imagens que surgem em paredes ou acima deles para ilustrar algo de que falam. Mas a melhor contribuição de Boyle para o filme fica mesmo por conta das fotografias diferentes que aplica em cada um dos três segmentos do longa. E para identificar o de 1984 como o mais antigo deles, o diretor usa uma imagem de película, com bastante granulação, o que vai mudando até 1998 quando ele finalmente escolhe uma imagem limpa e bem definida, e notavelmente menos saturada, que reflete não só o avanço temporal da trama, como também reforça a própria estética clean que a Apple adotaria a partir dali.

Ainda pontuado por uma trilha sonora que se “inspira” nos acordes eletrônicos de A Rede Social (que apesar de jamais alcançar a excelência das composições oscarizadas de Atticus Ross e Trent Reznor, se mostra inteligente o suficiente para ajudar a conduzir os sentimentos evocados pelos diálogos), Steve Jobs se revela uma cinebiografia diferenciada, que através do ritmo constante e de performances magnéticas, se distancia do tom periódico que normalmente é inevitável que tenham, conseguindo alcançar um lugar entre os melhores filmes de um cineasta que já tem no currículo obras como Cova Rasa e Trainspotting.


NOTA: 10/10


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