domingo, 18 de outubro de 2015

A COLINA ESCARLATE




Em certo momento de A Colina Escarlate, a jovem protagonista leva seu romance recém escrito para ser avaliado por um editor, recebendo como resposta um cético comentário sobre uma mulher estar escrevendo histórias de fantasmas. Incomodada, ela responde: “não é uma história de fantasmas, é uma história com fantasmas”. Ou seja, o cineasta Guillermo del Toro está dizendo que seu novo filme não veio para dar sustos, esperar isso é projetar uma expectativa injusta sobre o longa-metragem e também desentender completamente sobre o que ele se trata. Experiente em criar contos de horror e fantasia, del Toro sempre mostrou-se hábil construindo a atmosfera dessas narrativas, — não para culminar apenas nos sustos, mas sempre em catarses. Basta lembrar de sua filmografia, especialmente de títulos como O Labirinto do Fauno e A Espinha do Diabo.

O longa já começa impactante: numa nevasca, a nossa heroína surge acariciando o vento com a mão ensanguentada. O realizador, porém, só vai nos permitir conhecer o contraplano deste take nos minutos finais da projeção, criando assim também uma rima elegante que já denuncia suas intenções de, antes de tudo, contar uma trajetória focada nos personagens, e não apenas em sustos gratuitos. É assim que somos apresentados à Edith (Mia Wasikowska), imaginativa escritora que refuta a ideia de se tornar a próxima Jane Austen. Ela gosta é das histórias sombrias, o que mais tarde vai justificar sua pró-atividade nos eventos da trama. Entretanto, a princípio surpreende que ela acaba se envolvendo justamente num romance mais aos modos de Orgulho e Preconceito. Ao conhecer o educado e culto Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), ela resolve casar-se sem perder tempo, mudando para a Inglaterra com marido. Lá, o casal recém-formado vai morar com a introspectiva irmã de Thomas, Lucille (Jessica Chastain). Onde? Na aterradora Crimson Peak, a mansão herdada pelos irmãos e apelidada assim pelos vizinhos porque foi construída sobre um solo fértil em argila vermelha, que em certos períodos do ano emerge da terra deixando todo o terreno com uma terrível cor de sangue.

E se há um grande trunfo inegável no projeto, é esta estranha e elegante besta concebida pelo belíssimo design de produção. Imaginada como um ser vivo, a mansão exibe preciosismo de detalhes apavorante, refletindo o cuidado que essa área sempre recebeu de del Toro em todos os seus projetos. Com papeis de parede que remetem a molduras vazias, marcos de madeira repletos de ameaçadores espigões e corredores de padrões repetitivos que soam eles mesmos como alusões aos ecos de um passado sombrio, a Crimson Peak é um cenário perfeitamente amedrontador, o que torna ainda mais acertada a decisão de não usar os fantasmas como única fonte de ameaça. E é curioso perceber como a argila sangrenta parece cada vez mais presente nos cenários conforme os verdadeiros algozes revelam suas intenções, não só emergindo do solo, mas também escorrendo pelas paredes e pingando do teto, até o ponto de praticamente banhar todo o clímax.

Encabeçado com delicadeza e força por Mia Wasikowska, que é vestida com cores alegres e texturas estriadas repletas de babadinhos que remetem a sua personalidade bondosa, o elenco ainda traz Tom Hiddleston e Jessica Chastain numa dinâmica instigante por si só — e quanto mais descobrimos sobre os dois, mais fascinantes e complexos os personagens se tornam. Primeiro unificados pelas roupas, sempre de cores escuras e em tecidos pesados, aos poucos o departamento de figurino trata de diferenciá-los. Personagens que poderiam ser tratados como clichês, na verdade escondem uma natureza dissimulada e doentia. E nesse ponto é preciso aplaudir Tom Hiddleston, que consegue tirar carisma de um personagem que qualquer outro ator não hesitaria em transformar numa grotesca caricatura. Dono de uma carga dramática invejável, o intérprete carrega no olhar e na dicção uma vulnerabilidade que facilmente fragiliza o seu Thomas Sharpe, conseguindo inspirar tanto o medo e a repulsa, quanto o carinho e a torcida do público — e essa é a parte impressionante de seu trabalho. 

Já Jessica Chastain, uma das atrizes recentemente surgidas de que mais gosto, esconde sob seus modos apáticos uma obsessão contida — trabalhando a tristeza e a frieza da personagem, que certamente reprimiu seus sentimentos por anos, e deixando-os explodir eventualmente na forma de raiva e fúria. O que serve de comentário sobre a opressão sexista imposta a ela sobre o controle dos bens da família. E se o trio principal brilha, é uma pena que sobre tão pouco espaço para antigos colaboradores de del Toro, e particularmente senti falta de maior presença de Charlie Hunnam, que surge para fazer pouco — ainda que seu momento de brilho simbolize a impotência do mais educado dos homens contra o monstro criados por eles mesmos quando tentaram ditar um lugar ao qual as mulheres deveriam se reservar. Sobrando então para Burn Gorman e Jim Beaver criarem interessantes figuras que, com pouquíssimo tempo de tela, se fazem indispensáveis; um como o investigador Holly, e o outro como o pai de Edith, Carter Cushing – uma referência carinhosa a Peter Cushing, famoso por seus filmes de horror.

Logo, A Colina Escarlate se apresenta como outro projeto de Guillermo del Toro que usa o horror como comentário de sua época. Se em O Labirinto do Fauno tínhamos a perseguição aos rebeldes da Guerra Civil na Espanha, evento que por sua vez era o plano de fundo de A Espinha do Diabo, aqui o cineasta prefere tratar de um tema mais atual e discutir a força da mulher, forjadas heroínas ou vilãos por ambientes hostis cheios de homens com boas e más intenções. E se não por isso, ao menos o longa serve como um conto de horror e fantasia que PRECISA ser reconhecido nas principais premiações por seus quesitos visuais.



NOTA: 8/10


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