quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O DESTINO DE JÚPITER



É bom eu deixar claro que mesmo Speed Racer é uma obra fantástica e incompreendida, e A Viagem, um drama sensível e orquestrado com maestria. Seria muito fácil atacar o novo filme dos irmãos Wachowski, tem sido assim com a sua filmografia e isso desde Matrix. Aqui em O Destino de Júpiter, a ausência de uma ameaça que paire sobre os protagonistas, em parte por causa de um vilão ausente, a estrutura convencional e o reaproveitamento pobre de ideias já exploradas antes por Andy e Lana em seus filmes anteriores, poderiam ser fermentadas a ponto de fazer um péssimo retrato do longa-metragem. Que, apesar disso, é carismático, empolgante e visualmente fantástico o suficiente para suprimir esses óbvios problemas.


A trama conta com a história já conhecida do indivíduo destinado a grandes feitos que não sabia fazer parte de um mundo mágico a parte. Assim, quando o mercenário interplanetário Caine Wise (Channing Tatum) chega para salvar Júpiter (Mila Kunis) de assassinos de aluguel – também interplanetários – já é fácil prever o que vem em seguida: a moça não chega a ser uma “escolhida”, mas é a recorrência (outro nome dado para reencarnação, sobre o que os Wachowski já haviam falado bastante em A Viagem) da poderosa e nobre matriarca da família Abrasax, dona de diversos planetas em que se cultivam seres-humanos, de onde tiram a essência de sua principal mercadoria, um produto que os rejuvenesce e mantêm vivos por milênios – algo que os irmãos também já haviam abordado em Matrix, e aqui, qualquer semelhança com Duna é mera coincidência, cof cof.


De fato, O Destino de Júpiter lembra bastante aquele longa de David Lynch, principalmente pela estranheza causada pelo novo mundo que apresenta, com suas concepções visuais e características próprias. Mas ao contrário de Duna, aqui há um roteiro coerente – sim, batido, mas coerente – personagens carismáticos por quem torcer, e a trama tem um ritmo que empolga e deslumbra (palmas para a montagem aliada à trilha de Michael Giacchino que criam essa fluidez), não um que te faz preferir chutar a cômoda com o mindinho repetidamente. Mila Kunis e Channing Tatum tem empatia fácil e dividem uma química divertida que até perdoa a rapidez com que a garota se apaixona por ele.


Ainda no elenco está Sean Bean, que por si só é um spoiler ambulante, que afinal acaba surpreendendo e até fazendo rir com sua modesta participação. Que ainda assim deve ser maior e mais presente que a de Eddie Redmayne, o grande vilão que tem todas as suas cenas expostas no trailer. Ainda bem, os obstáculos colocados no caminho de Júpiter e Caine não são sempre obras desse Balem, o mais velho dos irmãos Abrasax, que querem tomar a Terra, já que a protagonista a herdou ao se descobrir como realeza interplanetária. De qualquer forma, o roteiro, também escrito por Andy e Lana, subestima o potencial do interessantíssimo personagem concebido por Redmayne, que, ao contrário do que muitos poderiam dizer, não está de maneira alguma em modo over, e dentro do contexto do longa-metragem está na verdade é muito apropriado e elogiável, com o contraste de seus modos elegantes e voz suave, com as suas súbitas explosões de raiva – haja bom senso minha gente, estamos falando do cara que tem milênios de idade e que anda com lagartos alados gigantes como seguranças a sua volta... Não exijam do pobre menino uma performance realista e dramática em um filme que em momento algum pretende ser essas coisas...


Uma pena é que o desfecho do personagem, e do clímax em si, seja um tanto quanto decepcionante, e é a jornada até ele que acaba divertindo realmente, com suas inserções de humor aqui e ali – particularmente a piada da burocracia que envolve a retirada de um documento de realeza de Júpiter dura o tempo necessário em tela para fazer rir antes de perder a graça –  e cenas de ação visualmente impressionantes, o que é sempre o mínimo que se espera dos irmãos, além de personagens que não se perdem em meio ao apelo estético. Aliás, o design de produção do longa-metragem é belíssimo e, sim, um completo exagero, e aposto que um livro de artes conceituais do projeto renderia um volume bem abastecido. Eu não estou louco para rever O Destino de Júpiter, é verdade. Não como eu fiquei depois de cada filme da trilogia Matrix, de Speed Racer e de A Viagem. De fato, é o projeto mais irregular dos Wachowski, mas não por isso, um que seja, de jeito algum, ruim em sua totalidade.



NOTA: 7/10




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