quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CLUBE DE COMPRAS DALLAS



Clube de Compras Dallas é um filme de personagem, isso quer dizer que apesar de tratar de muitos interessantes temas, o foco é em como estes cenários afetam o arco de seu protagonista. No caso, Ron (Matthew McConaughey), é um eletricista e peão de rodeios aposentado que se descobre com AIDS. Preso no Texas dos anos oitenta, ele logo é excluído do convívio de seus amigos e colegas que o acusam de ser homossexual. Doente e com uma expectativa de vida estimada em trinta dias, ele se associa ao colega de quarto, o travesti Rayon (Jared Leto), e a médica Eve (Jennifer Garner) para fundar um negócio onde, por uma taxa significativa, disponibiliza para diagnosticados com HIV remédios traficados do exterior para o tratamento da doença, em combate a outro considerado perigoso e disponibilizado legalmente pelos hospitais.


Outro dos concorrentes ao Oscar deste ano que se baseia em fatos reais (dos nove indicados a melhor Filme, seis o são), o longa aqui aproveita para alfinetar as políticas absurdas por trás da aprovação de novos medicamentos e como grupos farmacêuticos poderosos monopolizam e fazem milhões em cima de remédios nem sempre efetivos. Um contexto latente nos Estados Unidos da década de oitenta, onde os inimigos aos poucos deixavam de ser os distantes comunistas para se tornarem as grandes corporações, e segundo Clube de Compras, antagonizadas com razão. O que o faz muito comparável com Filadélfia (1993), que além de possuir uma dinâmica parecidíssima entre o protagonista e seu coadjuvante (só inverter os papeis, no caso), deu também o prêmio de Melhor Ator para Tom Hanks (curiosamente McConaughey é o favorito este ano), que interpreta um aidético que investe seus últimos dias de vida na luta contra o sistema impassível do governo que favorecia não empresas e corporações como também a discriminação dentro destas.


Apresentando um personagem inicialmente homofóbico, o roteiro faz a transição de Ron de forma convincente, e suas catarses jamais soam menos que convincentes. E Matthew McConaughey percorre brilhantemente este arco, que é muito mais complexo do que pode aparentar a princípio – e o ator e seu diretor, Jean-Marc Vallée, entendem isso e debruçam-se sobre a tarefa de fazer do rude eletricista um homem crível. E esqueçam seu sotaque texano que isto não é nenhuma novidade; repare, por exemplo, no jeito de andar gingado, com a cintura solta e as pernas arqueadas, referências sutis ao seu passado como peão, são estes detalhes que realmente constroem um personagem, e é bom saber que provavelmente ele será reconhecido pela academia uma vez que esta deixou de premiar no ano passado Joaquin Phoenix por O Mestre, onde sua performance possuía o mesmo tipo de dedicação. Este esquelético, bruto e enérgico Ron em nada lembra qualquer outro personagem do ator, e quando o vemos finalmente se permitir abraçar o então amigo Rayon, a cena toca pelo carinho e sinceridade que demonstra ao fazê-lo.


Na verdade, este Ron  de Matthew McConaughey desperta uma conveniente pergunta: se isto tivesse ocorrido com algum de seus amigos, teria ele agido da mesma forma que eles? Podemos inferir que sim, e nesta lógica, se colocado no mesmo arco, este outro homem teria percorrido-o da mesma forma? Provavelmente podemos inferir que sim também; colocados em situação de igual para igual, seres humanos tendem a se identificar e solidarizar com seus companheiros de espécie. Uma indagação que tem seu lado positivo, ainda que óbvio, no fato de que todo o preconceito é nocivo mas pode ser desfeito com uma mudança de perspectiva. Porém, também é triste quando paramos para perceber que esta mudança na verdade consiste em igualar dois indivíduos que já deveriam se considerar iguais, a despeito de orientações sexuais, cor de pele, etnia, etc. E só por despertar questionamentos como estes, Clube de Compras Dallas já mereceria a nossa atenção.


Ainda assim, o filme conta com mais alguns méritos, como Jared Leto, que apesar de estar bem, não possui o mais difícil dos personagens em mãos. Afetado como se esperava, é engraçado notar sua escolha por um terno poucas medidas mais largo do que o necessário em certo momento, indicando sua falta de costume de usar roupas masculinas. Já o humor que Dallas apresenta, aliás, vêm das interações nem sempre diretas entre ele e Ron; aquela envolvendo uma masturbação é excelente, assim como em certo momento o personagem de McConaughey referir-se ao outro como “Miss Man”, denunciando sua tentativa falha de compreendê-lo, mas ainda assim, uma tentativa. Então é curioso que ao tratar de maneira tão natural com um tema tão perigosamente piegas, que é a relação entre dois seres tão diferentes e até mesmo antagonistas de certa forma, o filme acabe tendo seu único tropeço ao lidar com um tema mais comum e fácil, extrapolando no maniqueísmo ao tentar nos empurrar uma comoção durante o clímax que até então havia evitado. Mas logo o longa se recupera da tentativa de endeusar o personagem e se finaliza voltando ao seu foco, concluindo-se num plano que rima com o primeiro visto em tela mas que, desta vez, traz uma significativa diferença: Ron não está mais nos bastidores alienado ao espetáculo sangrento lá fora. Agora ele está montado no boi, no centro do palco e disposto a aguentar mais do que os oito segundos com que a princípio fora diagnosticado.

P.S. – A maquiagem do filme é extremamente eficiente, comparem a cena em que Ron chora no carro e o plano irmão deste que se passa três meses depois, por exemplo.



NOTA: 9/10




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