sábado, 29 de junho de 2013

GUERRA MUNDIAL Z


     Antes de se falar qualquer coisa sobre o filme, deixe-me contextualizar os eventos em torno de sua produção. Guerra Mundial Z foi filmado em 2011, então reescrito no ano passado, quando passou por inúmeras refilmagens que engordaram seu orçamento consideravelmente (fala-se em 200 Milhões de dólares). Tudo isso para fazer com que o filme ganhasse classificação indicativa PG-13, tornando-o naturalmente mais rentável, já que sendo um dos chamados "filmes de verão", ele foi feito pra gerar lucros. Dito isso, muitos deverão olhar para o longa e chamá-lo de covarde, clichê e fraco. O que eu vejo quando repenso o filme que assisti, é justamento o contrário. Um projeto corajoso, que mesmo com todas as suas limitações (notarão a escassez de sangue, que em grandes quantidades aumenta a classificação indicativa) e problemas de produção, gerou um filme coeso, com ritmo, envolvente, que sabe navegar com destreza entre os momentos de pura tensão e aqueles de ação desenfreada que enchem os olhos com cardumes de zumbis raivosos, prontos para agarrar o nosso protagonista.


     Baseada no livro homônimo de Max Brooks (que pra quem não sabe, é filho do cineasta Mel Brooks), a trama, diferentemente do seu texto original, conta a história de Gerry Lane, um ex-investigador da ONU que após escapar por pouco junto com sua família de uma metrópole infestada, é incumbido de auxiliar na busca de uma cura para a praga zumbi ao redor do globo. Uma decisão acertada da trupe de roteiristas (que conta inclusive com Damon Lindelof, de Lost), que possibilita surpreender até mesmo quem leu o livro, ainda que muitos dos acontecimentos descritos nos inúmeros depoimentos que compõe a obra sejam vistos aqui, tais quais o cerco de Jerusalém e sua política de aceitação de estrangeiros, até certos eventos na Coréia do Sul e uma breve passagem sobre a do Norte. Então é desde já que elogio o filme enquanto uma adaptação literária, já que ele não se perde ao tentar ser uma transposição, sabendo usar com cuidado os elementos que tinham potencial cinematográfico e descartando aqueles que apenas em texto seriam tão eficientes.


     Porém, nenhum roteiro está seguro o suficiente nas mãos de um mau diretor, e Marc Forster, ainda que possua ocasionais tropeços em seu currículo, é admirável por sua versatilidade. A carreira do cineasta já passou pelo delicado e tocante Em Busca da Terra do Nunca, o mediano O Caçador de Pipas, a inventiva comédia Mais Estranho do que a Ficção e até mesmo o fraco 007 - Quantum of Solace. Se sua constância de qualidade fosse mais acertada, ele se igualaria a outro cineasta que também navega por vários gêneros, mas que nunca deixa a peteca cair, Gore Verbinski (diretor de O Ratinho Encrenqueiro, O Chamado, Trilogia Piratas do Caribe, O Sol de cada Manhã e Rango). E é com alívio que constato que Forster mais uma vez consegue se adaptar com facilidade ao estilo exigido pelo projeto que está dirigindo, que aqui oscila entre a ação e o suspense. Seus takes aéreos combinados com uma câmera de mão frenética empolgam ao mesmo tempo em que nunca deixam de estabelecer bem o que está acontecendo em cena. E neste ponto, é óbvio que o 3D convertido é descartável, já que a fotografia escura, com uma baixa profundidade de campo e baseada no uso da câmera de mão, somada a montagem acelerada que pula de um plano a outro em segundos, anulam completamente o efeito da estereoscopia.


     Mas já que comecei a falar daquilo que é visto em tela, deixe-me falar do elenco, e este é resumido a Brad Pitt. Sim, todos os outros personagens estão lá apenas para cumprirem suas funções enquanto motivadores, soluções ou obstáculos, o filme é de Pitt (e demorei a perceber a presença de Matthew Fox, o Jack de Lost, como um apagado piloto de helicóptero). Seu Gerry Lane é um homem simples, de fala direta e nenhum tique, claramente moldado pela antiga profissão que o obrigava a sobreviver em meio a territórios hostis com poucos recursos, o que o ator também sabe demonstrar nas sequências de ação, quando seu personagem é obviamente um dos únicos com algum autocontrole e raciocínio lógico, vide a cena em Jerusalém.


     Em parte torcemos por Gerry por ser o nosso protagonista e este ser um personagem carismático, por outro lado perderíamos o interesse com rapidez em sua segurança caso a ameaça não estivesse à altura. E que altura! Os zumbis, quase todos gerados por computação gráfica, são conceitualmente concebidos como formigas africanas, que possuem uma espécie de consciência coletiva, e em determinado momento do filme, quando é necessário para os vilões ultrapassarem um muro para chegar até a sua presa, milhares deles formam uma rampa para que os outros possam passar por cima e atravessar o obstáculo. Um conceito que já vinha do eficiente Eu Sou a Lenda, aqui amplificado para uma escala bem maior e que, surpreendentemente, funciona e deslumbra, ainda que de vez em quando seja impossível não notar ali e aqui que os monstros são criações digitais. Deste modo, a voracidade das criaturas torna sua ameaça não só palpável como temível, já que diferentemente de outros filmes de zumbi, onde um personagem encurralado poderia talvez tentar lutar contra os mortos-vivos, aqui é difícil conceber um cenário onde algum dos mocinhos conseguisse enfrentar uma turba dos inimigos vistos em tela.


     E se é aplaudível ver os esforços de Forster e seus roteiristas para estabelecer certas regras da infecção sem apelar para exposições gratuitas no primeiro ato, como ao colocar o nosso herói a beira de se atirar de um prédio enquanto conta os segundos esperando por uma possível transformação, esse empenho desanda do meio em diante, quando então vemos dois personagens se descrevendo apenas para encurtar apresentações, e falas como um "Que droga" dito por Pitt ao assistir a um vídeo de segurança já no terceiro ato, são risíveis. Mas pequenos tropeços de roteiro a parte, Guerra Mundial Z sobrevive e vence suas duas horas de duração investindo em constante tensão.


     Sabendo criar cenários inventivos para a suas cenas, Forster exprime suspense de onde pode a todo o momento, garantindo assim a atenção de seu público, sabendo quebrar eventualmente esta constante tensão com um ou outro elemento, como por exemplo, um toque de celular inconveniente que é seguido de uma ótima piada. Assim, ao invés de apenas usar os zumbis da forma tradicional, é admirável vê-los em situações diferenciadas onde o mesmo inimigo oferece desafios diversos, como um laboratório no qual não se pode fazer ruídos, uma ala de um avião que só está segura graças a uma fina cortina que mantém os agressores distraídos, e até mesmo um zumbi cujos espasmos momentâneos permitem aos heróis uma janela mínima de tempo para passarem por ele sem serem vistos.


     E é por conseguir criar um filme de zumbis que, mesmo amenizado pela censura, não deixa de ser um filme do subgênero (ainda que fora de quadro, uma mão decepada e um pé de cabra preso em um crânio ainda fazem parte da narrativa do filme), Guerra Mundial Z não só incentiva o espectador a conhecer a fantástica obra que o originou, como ainda deixa na memória um filme que acima de tudo diverte enquanto dura. É verdade que o seu desfecho poderia ser menos meloso? É, narrações em off não estão com nada, não é mesmo? Mas quem liga para eventuais escorregadelas quando se têm zumbis saltadores, corredores e "amontoadores" perseguindo o seu protagonista? E se os mortos-vivos sempre serviram como uma espécie de metáfora crítica recorrendo a um tema atual, não é interessante então ver montes de muçulmanos transformados tentando encontrar seu objetivo dentro dos muros de Jerusalém? Não é curiosa a frase dita por um dos personagens "cada ser humano que salvamos, é um a menos contra quem lutar", tendo em vista o problema mundial da superpopulação e escassez de recursos? Enfim, se um filme blockbuster feito para agradar a censura e gerar alguns milhões consegue divertir e ao mesmo tempo gerar este tipo de questionamento, é desde já um filme de sucesso. Que venha a já garantida continuação.


NOTA: 9/10



Um comentário:

  1. Recorri à tua crítica, Yuri, pois acabei de ver o filme e estava com medo de admitir que gostei (não sei se tu me entende). Mas o que acabei de ler lavou minha alma. Obrigado!

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