terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A HORA MAIS ESCURA




     Mantendo o assunto que abordou há poucos anos atrás em Guerra ao Terror, filme pelo qual foi premiada com inúmeros títulos de melhor direção, Kathryn Bigelow volta aos conflitos no Oriente Médio, desta vez focando na polêmica caçada ao número um na lista de inimigos procurados dos Estados Unidos, Osama bin Laden e sua consequente e também recente execução. E seja pela proximidade ainda do evento (que aconteceu em 2011), pela direção crua e às vezes documental da diretora ou pela narrativa que calca seus arcos em um mundo real, onde pontos de virada e Deus Ex Machinas simplesmente não existem, é que este A Hora Mais Escura consegue transmitir ao seu espectador que apesar de estarem sentados em uma poltrona, numa sala escura em frente a uma tela imensa, eles não estão lidando com cinema (embora este seja a linguagem), e sim com uma "brincadeira de gente grande". E justamente por conseguir passar este sentimento ao seu público, que a realizadora consegue atingir um nível de excelência justamente ao fazer, enfim, cinema.


     Então, nada de chamadas diretas com o presidente, uma sala na casa branca cheia de políticos desocupados acompanhando uma missão passo a passo, um belo discurso de um personagem antes de morrer e muito menos computadores e imagens de satélite impossíveis que ajudam a CIA em momentos convenientes. Este, segundo Bigelow, é o mundo real, onde uma americana saindo da sua garagem pode ser baleada somente por ser uma mulher branca dirigindo seu carro, onde um helicóptero falha por questões técnicas em meio a uma importante operação, e onde achar um sujeito qualquer (não Osama, mas um simples mensageiro da Al-Qaeda) pode significar uma investigação árdua de muitos anos por parte dos agentes envolvidos.


     A mensagem fica clara dede o início, pois uma tela preta e apenas sons de gravações reais de vítimas do 11 de Setembro, abrem o filme já em um sinal de luto e respeito ao realismo da narrativa. A partir daí somos enviados para dois anos após os acontecidos em New York, onde acompanhamos a chegada da agente Maya (Jessica Chastain) a base da CIA no Oriente Médio, onde através de torturas de prisioneiros, complexos esquemas políticos e operações táticas e burocráticas, ela começará uma caçada de anos pelo terrorista Osama bin Laden.


     Mesmo em seu Guerra ao Terror, Bigelow mostrava alguma tendência a se entregar aos recursos narrativos clássicos da sétima arte, como ao introduzir seu filme através de um prólogo, usando de artifícios como a câmera lenta, por exemplo, que distanciavam um pouco o peso da brutalidade daquela realidade de seu filme puramente cru, ainda que claro, naquele caso tivesse a razão de ser para mostrar com detalhes os estragos que uma explosão de uma daquelas bombas poderia causar. Aqui, a diretora e seus montadores, William Goldenberg e Dylan Tichenor, não só dividem sua narrativa em partes específicas que remetem estranhamente não a capítulos, mas às etapas de uma operação, como também não fazem muitos floreios para começar sua trama, introduzindo Maya já em meio a um violento interrogatório, onde ao lado de Dan (Jason Clarke), participa da tortura de um prisioneiro.


     Chastain a princípio revela uma personagem frágil que parece deslocada naquele ambiente, nervosa e claramente incomodada com a brutalidade, não demora muito para que sua Maya seja a própria autora de vários atos brutais. E o contraste entre seu visual sempre limpo e impecável, contra os de seus reféns imundos e feridos impõe uma ironia sob a mulher, que ganha uma frieza assassina conforme avança a narrativa, chegando ao ponto em que ao despachar um soldado para uma missão, ela não hesita em pedir "matem ele pra mim". Já Jason Clarke investe em um Dan amortecido pelos anos de "trabalho sujo", que parece ignorar os atos brutais que comete contra os prisioneiros ao chama-los de "brô", o que por si só já acarreta em um contraste gritante entre ele e seus torturados. E seu uso de Heavy Metal como instrumento de tortura não deixa de soar como uma crítica ao conservadorismo dos povos do Oriente Médio. Aliás, chega a ser engraçado que, para conseguir informações de uns, os agentes não se privem de métodos violentos e angustiantes, e para conseguir algo de outros sujeitos mais favorecidos, os mesmos personagens invistam em táticas mais "burguesas". Assim, enquanto torturam uns, presenteiam outros. 


     A verdade é que, A Hora Mais Escura busca retratar a obsessão do país que sofreu um atentado brutal, onde toda uma geração precisou buscar um rosto para culpar. Maya é a representação desta geração que viveu os eventos e pôde assimilar suas consequências, o plano que mostra o reflexo sombrio da agente sobre uma bandeira do Estados Unidos enquadrada é o resumo perfeito desta ópera. E não por acaso o fechamento do filme, com o rosto da personagem em close, tem como plano de fundo listras vermelhas. Assim, Bigelow mantém seus acertos de direção em todos os sentidos, já que é justamente o rosto do principal culpado de tudo que nunca chegamos a ver, respeitando também desta maneira, a chance de uma idealização por parte do espectador sobre o bicho papão que Osama bin Laden se tornou na mídia.


     A já famosa operação que resultou em sua execução, aliás, toma conta do terceiro ato do longa em uma provinha da diretora de Guerra ao Terror, que sabe conduzir uma sequência de tensão com maestria e bom senso - diferente de Ben Affleck em Argo, que embora tão hábil quanto Bigelow ao criar o mesmo sentimento em seu espectador, usava de elementos artificiais e dispensáveis para tal. Assim, a diretora explora a chegada de um carro, por exemplo, com sabedoria e paciência, elevando o suspense sem criar ou inserir momentos desnecessários, usando do próprio protocolo de segurança de uma base militar para causar o efeito que pretende. Mantendo junto com isso, os pés numa realidade palpável para seu espectador. Realidade esta que é ressaltada pelo ótimo sound design, que cria sons de tiros não só convincentes, mas altos, secos e rápidos, que geram uma ligeira e certeira impressão de que sua eficiência é letal, seja onde for que atingir.


     Retirando assim a maquiagem fantasiosa que Hollywood não hesita em colocar em seus filmes, A Hora Mais Escura parece mostrar cruamente o que foram os acontecidos que levaram a morte de Osama bin Laden, e por mais que seja eficiente em nos fazer entender seus personagens, nunca há de fato identificação com os mesmos, já que entre nós, Bigelow não coloca apenas uma tela de cinema, mas um precipício representado pela realidade brutal daquelas figuras. 


NOTA 10/10


   

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