domingo, 13 de janeiro de 2013

AS AVENTURAS DE PI



     Um pouco menos profundo e tocante do que claramente pretendia ser, mas jamais menos interessante por causa disso, o novo longa comandado por Ang Lee é algo que gosto de definir como: Um filme humildemente pretensioso. Escorando-se em filosofias genéricas, maquiando-as como específicas de um personagem, o filme acaba descobrindo sozinho depois de quase metade da projeção, que sua maior força se encontra no deslumbre técnico, no arco de seu protagonista e acima de tudo, na relação mais do que cativante entre este e um tigre faminto.


     Após decidirem mudar-se para a América, a família Patel, dona de um zoológico, embarca junto com seus animais em um imenso cargueiro rumo ao seu novo lar. É quando uma tempestade acaba por afundar o imenso navio, deixando à deriva em mar aberto o jovem Pi (Suraj Sharma) e o tigre Richard Parker como náufragos dentro de um pequeno bote salva-vidas. Tudo isso é contado pelo próprio Pi já mais velho (então vivido pelo ótimo Irrfan Khan) em sua casa na América, enquanto conversa com um escritor (Rafe Spall) em busca de uma história para escrever sobre.


     Quando digo "humildemente pretensioso" ao descrever As Aventuras de Pi, falo de uma trama que busca através de lições aprendidas por seu personagem principal, mudar noções de seu espectador. E tendo em vista que o personagem de Spall, um ouvinte, é o nosso representante em tela, o filme faz menção sim a certa catequização não muito diferente daquelas empurradas por padres e congêneres ao ilustrar lições aprendidas em trechos da bíblia. E é neste ponto em que a trama quase tomba para uma desastrosa ilustração dos benefícios e malefícios do acreditar ou não em Deus, residindo ai a minha justificativa para empregar o "pretensioso" em sua descrição. Mas há de se notar que Lee é um realizador inteligente e ciente do potencial filosófico que sua história possui, preferindo, a tempo ainda de salvar a sua obra, focar nos aprendizados pessoais do jovem Pi ao invés de usá-los como fonte maniqueísta de propagação filosófica, deixando ao encargo do espectador as conclusões. E é ai que entra a humildade com que também descrevi o filme, já que o diretor claramente lida com uma trama que raspa todo o tempo na possibilidade de se converter em um grande conto bíblico repleto de "ensinamentos" a serem empurrados para o espectador este querendo ou não, e só isso já faz merecer aplausos à condução de Lee e o roteiro de David Magee baseado no livro de Yann Martel. E ao nos trazer uma conclusão que flerta com a ideia de que as pessoas, de fato, tendem a preferir a versão romanceada de uma história, ambos também conseguem transformar um final que poderia soar impossível (afinal, converter um ateu não é tão fácil) em algo mais palpável e até mesmo crítico, se visto pelo lado que o fechamento do filme pode ser uma ilustração do porque das pessoas aderirem a religiões e buscarem instituições que romanceiem para elas uma versão da vida, da história e do mundo como ele é.


     Mas caso o longa se sustentasse apenas pelas discussões que gera (e um filme que gera discussões, é sempre um filme eficaz), talvez não fosse tão carismático e cativante quanto é ao manter boa parte de sua trama focada nas maneiras que o protagonista encontra de sobreviver em alto-mar ao lado de Richard Parker. O tigre, aliás, é a criação digital mais realista do filme, talvez uma das mais realistas já feitas, sendo quase impossível (em certos momentos, é realmente impossível) distinguir o animal real daquele criado por computação gráfica, tamanha a preciosidade de detalhes e expressões do personagem. E sim, Parker ganha expressões de humor e trejeitos típicos que lhe valeriam uma indicação de ator coadjuvante, fazendo de sua interação com o jovem Pi, uma situação muito mais plausível para o espectador que não deixará de notar certas semelhanças com a relação do personagem de Tom Hanks e a bola Wilson em Náufrago.


     Mas nem tudo na área técnica são louvores como Parker é. A montagem de Tim Squyres é ineficaz ao transitar entre o passado e o presente do protagonista, apostando em fusões em 2D que chamam muita atenção para si mesmas e não possuem qualquer uso para a narrativa, diferente de, por exemplo, Speed Racer, onde o uso excessivo deste mesmo recurso remetia o espectador às origens na televisão daqueles personagens. Outra é o uso do 3D que é praticamente anulado por uma baixíssima profundidade de campo mantida quase que todo o tempo. Na verdade, em certo momento, Lee se rende absurdamente a técnica e parece subverter as suas prioridades mudando, em meio a uma sequência, a razão de aspecto do scopo apenas para salientar o efeito tridimensional de um peixe, artifício que retira completamente o espectador de sua poltrona colocando-o em um brinquedo de um parque de diversões de maneira absurdamente rude.


     Ainda bem, isso não é o suficiente para arruinar As Aventuras de Pi, que conta ainda com a performance interessantíssima de Irrfan Khan e suas expressões sempre sérias, porém tranquilas que convencem o espectador da maturidade do personagem, principalmente quando aliadas ao seu tom de voz sempre estável e contínuo, quase soturno que conferem alguns bons momentos de humor no longa, como aquele no qual, após assistirmos um padre tentando explicar brevemente a história e o sentido da religião católica, ele apenas diz: "Aquilo não fazia sentido algum", em um momento muito bem humorado que talvez só compita com a cena onde Richard Parker nada como um gatinho na água mudando subitamente seu rumo de caça em direção ao jovem Pi. E se nenhuma discussão surgir após terminar de assistir ao longa, com certeza ao menos alguns destes bons momentos terão feito a visita a história do garoto náufrago e seu tigre valer a pena.


NOTA: 8/10

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