domingo, 22 de julho de 2012

VALENTE




    Responsável até hoje por apenas um longa mediano (o fraco Carros 2), a "Fábrica de Sonhos" como foi apelidada a Pixar, sempre entregou longas e curtas exemplares não só como animações, mas em questões de roteiro, personagens e como filmes em si. E é até irônico que um estúdio que apresenta a cada novo projeto diversos personagens, como brinquedos, insetos, peixes, carros, mutantes, ratos, robôs etc., ao mesmo tempo seja aquele que entrega também os personagens mais "humanos". E embora Valente possua os valores mais apreciados pelo estúdio (a família, a reconciliação, a superação e a "volta para casa"), o longa por vezes parece muito mais uma obra da mãe Disney do que da criativa Pixar.



     Nascida como primogênita em um reino próspero e pacífico, Merida (Kelly Macdonald) é uma jovem princesa destemida e aventureira. Apreciando muito mais os benefícios de um arco nas mãos do que as belezas mostradas por um espelho a sua frente, a personagem vive em constante conflito com sua mãe, a bondosa rainha Elinor (Emma Thompson) que dedica horas de seus dias a ensinar a filha os bons modos de uma princesa. Decidida a não cair nas convenções de sua sociedade e seguir seu próprio destino, Merida desafia a autoridade dos pais e foge para a floresta, onde guiada por uma entidade mística acaba por encontrar uma Bruxa (Julie Walters) fascinada por ursos, a quem pede que mude a própria mãe, para que esta tire da cabeça a ideia de fazê-la casar-se com um dos primogênitos dos outros clãs aliados. Porém, o feitiço não sai bem como Merida esperava e sua mãe acaba transformada em uma ursa gigante. Pra piorar, o rei e pai da garota, o grandalhão e carismático Argus (Billy Connolly), possuí um trauma com ursos já que um arrancou-lhe uma das pernas no passado, fazendo-o começar uma verdadeira caçada dentro do reino pelo animal, sem saber que caça a sua própria esposa.


     O primeiro fato que todos têm notado quando se fala em Valente, é que se trata da primeira protagonista da Pixar. E não só isso, mas se trata de uma princesa, algo que já remete diretamente aos filmes da Disney e ainda por cima gera um grande preconceito por uma parte do público. Pais que tem filhos meninos, por exemplo, dificilmente os levarão para assistir um filme cujo pôster estampa uma princesa. Ou seja, de saída, este novo projeto da Pixar já tinha problemas a serem driblados - problemas comerciais, que fique claro. E talvez por isso o filme se preocupe em "explicar" a natureza de seus personagens já na primeira cena. Abrindo mão de um prólogo mais interessante como os vistos em Wall-e, Up - Altas Aventuras ou Monstros S.A. que apresentavam seus personagens ou mundos de maneira cativante e eficiente, aqui os diretores Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell optam por uma sequência em que, pela interação dos personagens conhecemos já seus papéis bem definidos. A mãe que exige bons modos, o pai bobalhão, a filha rebelde, o conceito da entidade da floresta e até mesmo o vilão já da as caras. O problema é que os realizadores fazem isso de maneira óbvia, até boba, por exemplo, ao nos poupar de uma surpresa que teria sido muito bem vinda, eles preferem anunciar a chegada do perigo empregando uma câmera subjetiva a observar os personagens. Não que isso seja um erro, é apenas comum, o que por si só já decepciona se tratando de um filme da Pixar.


     Pois bem, em termos técnicos o filme é impecável, repare na textura dos cabelos longos e desgranhados de Merida (que refletem muito sobre sua personalidade) e como reagem ao vento ou a água e notará que o estúdio evoluiu muito daquele que enfrentava problemas em criar líquidos em Vida de Inseto, ou que dava um grande passo em Monstros S.A. ao criar um personagem coberto de pelos. Investindo em personagens fisicamente expressivos, o filme também ganha pontos ao cativar o espectador a eles de forma natural. O que, se por um lado é ótimo ver o público passando a conhecer e a gostar de personagens que acabou de descobrir, por outro atrapalha um pouco a própria trama. Elinor insiste que a filha se case com um dos filhos de um dos três Senhores dos Clãs, pois caso ela se recuse, estes poderiam entrar em guerra. O problema é que nunca chegamos a sentir esta ameaça de caos na pacífica convivência entre eles, pois todos os quatro soberanos são personagens de extremo carisma, não só para com o público, mas entre si também. Simpatizamos tanto com a amizade bruta destes homens que nunca chegamos a cogitar a possibilidade de que fossem se combater por tal motivo, tornando os argumentos da mãe de Merida implausíveis e a momentânea consideração da garota a respeito deles, uma perca de tempo.


     O que me leva a nossa protagonista, Merida, que é uma personagem encantadora, só perdendo no carisma para seu pai, o rei Angus, que ganha o filme na cena em que interpreta a filha diante da mulher. A jovem e seu idealismo perante as regras daquela sociedade conquista como outros personagens em seu lugar já o fizeram antes, o que não torna a princesa menos interessante. Embora ela soe como um clichê no primeiro ato do longa, logo passa a se diferenciar de outras mulheres fortes que já vimos na tela grande. E nesse quesito sua rápida decida do orgulho e entrega ao compromisso de defender a mãe enfeitiçada, faz que ela seja vista pelo espectador como uma personagem muito mais tátil. E se Merida é o nosso ponto de referência dentro da trama, todos os outros personagens parecem ter o objetivo de fazer o humor característico de animações. E não estou apontando isso como um ponto negativo do longa, afinal os trigêmeos e suas traquinagens funcionam não só neste quesito, mas empurram a trama para frente também, assim como a bruxa e seu cômico fascínio por ursos. Tudo bem que a gag da mãe deslocada no corpo de urso é um pouco superexplorada, mas nada que chegue a ser cansativo. Tudo serve a história e a imersão do espectador naquele mundo. Coisa que, aliás, o 3D não faz, tornando-se cada vez mais um artifício maniqueísta e desnecessário à arte de fazer filmes.


     Com uma trama mais simples e menos encantadora do que estamos acostumados a ver sendo entregue pela Pixar, Valente ainda é uma animação soberba (visualmente nem se fala) que supera e muito a maioria das caça níqueis produzidas por aí. Contando ainda com uma trilha característica de Patrick Doyle e momentos de arrepiar pouco vistos em animações (um reino em ruínas e uma criatura que lá vive vai fazer muita criança fechar os olhos), o filme fecha nos deixando bons e carismáticos personagens na memória. Pena que sua trama seja esquecida após os belíssimos créditos finais. 

NOTA: 7/10 

P.S. - Como de praxe, o longa é precedido de um curta, no caso, La luna, encantador e imaginativo, a animação reflete aquilo que o estúdio tem de melhor, não chegue atrasado para não perder.

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