sexta-feira, 6 de julho de 2012

O ESPETACULAR HOMEM ARANHA




     Quando um estúdio toma posse dos direitos autorais de adaptação para o cinema de uma obra, seja livro, quadrinho, música, peça ou o que for, ele não os possui para sempre. O estúdio tem um tempo para gerar um produto (filme) usando aqueles direitos de adaptação ou estes tais direitos expiram e a obra volta ao mercado para a venda. Assim, basta o estúdio produzir e lançar um produto adaptado da obra para renovar seu contrato e continuar a possuí-los. É por isso que, por exemplo, a Fox sem mais o que fazer com a franquia X-men, produziu aquele horrível X-men Origens: Wolverine, e pelo mesmo motivo produziu logo em seguida X-men First Class. Outro exemplo é a Warner e os filmes do Batman. Com quase seis anos sem produzir um filme do morcegão, a produtora estava prestes a perder os direitos da franquia, quando então lançou Batman Begins que além de se tornar um sucesso garantiu ao estúdio continuar de posse dos direitos de adaptação das HQ's. E explico isso porque muito além de um filme dirigido por Marc Webb e estrelado por Andrew Garfield, este novo O Espetacular Homem Aranha é primeiramente um filme feito por questões comerciais. É um lançamento de uma marca que gera dinheiro para uma produtora e precisa ser usada para este fim. Então, ao dirigir-se para assistir o filme nos cinemas, saiba disso, não é o novo filme do diretor de 500 dias com ela, ou o novo filme com o "co-fundador do Facebook", muito menos de Emma Stone, nem mesmo é o novo filme do Homem Aranha. O longa que estará indo assistir é o novo filme da Columbia/Sony.



     Após o lançamento de Homem Aranha 3 nos cinemas em 2007, houve um desentendimento entre o estúdio e Sam Raimi (o diretor da trilogia original). O ator Dylan Baker estava escalado desde o segundo filme como coadjuvante no papel do Doutor Curt Connors, conhecidamente a identidade secreta de um dos conhecidos vilões do cabeça de teia, o Lagarto. Esta escalação sutil era um plano dos produtores de trazer o vilão para um quarto filme da franquia de maneira natural. Mas Raimi discordava e queria colocar John Malkovich como o Abutre, outro vilão conhecido do Aranha. Sem chegarem a um acordo, a continuação foi cancelada e a Sony logo anunciou um Reboot da franquia. Eis que aqui temos então basicamente a mesma trama do longa de 2002, trocando apenas o Duende Verde pelo Lagarto - mais por uma questão de orgulho do que por sensatez. O jovem estudante Peter Parker (Garfield) é picado por uma aranha radioativa e ganha super poderes ao mesmo tempo em que o Doutor Curt Connors (Rhys Ifans) aplica imprudentemente em si mesmo um soro regenerativo não aprovado feito à base de DNA de répteis. Ao que sua figura rapidamente se converte em uma monstruosa cruza de humano e lagarto que se entende como a criatura perfeita, pretendendo transformar a todos na cidade de Nova York em super seres rastejantes também.


     Vê-se desde o texto base do filme o desespero dos produtores de tornar este novo projeto um sucesso tão estrondoso quanto foram os três filmes anteriores, basta notar os nomes envolvidos. Escrito a seis mãos, o roteiro conta com o argumento e primeiro tratamento de James Vanderbilt, que pra não dizer que não escreveu nada de relevante anteriormente, deu a David Fincher o roteiro de Zodíaco. Porém, ansiando por uma fórmula que gerasse um filme nota dez, chamaram também Alvin Sargent que roteirizou o melhor e o pior dos outros três filmes, respectivamente Homem Aranha 2 e 3. E pra tentar garantir que a fórmula seria eficaz, chamaram por último Steve Kloves, que basicamente dedicou sua carreira nos últimos doze anos a roteirizar a saga do menino bruxo Harry Potter nos cinemas, tendo assinado como roteirista de sete dos oito filmes. Mas a fórmula na verdade era uma bomba. Pois quando quase vemos vislumbres da profundidade dramática atingida nos últimos filmes de Harry Potter em momentos em que Kloves deve ter posto a mão, somos atropelados por uma cena de luta anticlimática provavelmente escrita por Sargent, que decididamente foi obrigado pelos produtores a enfiá-la lá para não chatear o público jovem que não suporta muito "blá blá blá". Como, por exemplo, na cena em que o Lagarto invade a escola de Peter para procurar o garoto, isso segundos após uma cena romântica que se estendia por um cool moment no dia seguinte, sem qualquer introdução de clima, seja no texto ou na montagem (caso a parte que discutirei adiante). Só para largar nas mãos do diretor Marc Webb uma sequência de pancadaria interminável dirigida de forma previsível e por tanto, entediante. E a decupagem do longa é tão formuláica que é possível prever os cortes segundos antes de eles acontecerem. E se nesta cena que citei como exemplo, o filme mostra claramente a maioria de suas desesperadas tentativas de se tornar um sucesso, o longa ao menos compensa ao também nos presentear com aquela que deve ser uma das mais hilárias aparições de Stan Lee nas suas habituais pontas em filmes da Marvel.


     Porém, é engraçado notar que o roteiro em seu pior momento, ganha o melhor da direção de Marc Webb, que se mostra totalmente à vontade nos primeiros quarenta minutos de projeção quando tem que lidar, digamos assim, com uma trama mais pé no chão - e ponha esse "pé no chão" entre grandes aspas. Sabendo contar com delicadeza e muito bom humor a mesma história que vimos nas telonas em 2002 (a mesma, sem exageros), Webb mantém o público concentrado ao investir na dinâmica familiar dos Parkers e no divertido começo de relacionamento do próprio Peter com Gwen Stacy (Emma Stone, que não, não é a Mary Jane loira). E se digo que o roteiro tem o seu pior momento aqui é pela falta de originalidade na estrutura e até mesmo no tempo excessivo que leva para desenvolver situações que o público já sabe que irão acontecer. Seja na famosa picada da aranha ou na morte de um ente querido de Peter, tudo leva um tempo ridículo para ser mostrado, sempre precedidos de tolas tentativas de se fazer algum suspense em torno de eventos que - repito - o público já sabe que acontecerão.


     E a montagem, esta inútil, feita a seis mãos (também) por Pietro Scalia, Michael McCusker e Alan Edward Bell, se perde em meio a tantos estilos e exigências de produção. Assim, não só a já citada cena da escola, mas também todas as outras cenas de ação parecem forçadas na trama de alguma maneira. Quase como se o estúdio tivesse ditado que a cada quinze minutos o filme deveria se converter em um festival de efeitos digitais, estes fazendo sentido a trama ou não. Momentos estes que acabam soando decepcionantes por sua falta de originalidade também, pois vemos de novo aqui as cenas já vistas nos outros filmes, como o Aranha lutando com o vilão no alto de prédios, pulando de telhado em telhado e até mesmo a descarada sequência que acompanha o herói salvando uma criança pendurada em um carro numa ponte, conceitualmente idêntica àquela vista no clímax de Homem Aranha, com o Duende Verde e o teleférico.


     Mesmo que vítima da mistura braba de estilos no roteiro, Andrew Garfield encontra em seu Peter Parker um jovem adulto sarcástico e menos bananão que o de Tobey Maguire. O ator confere a Peter um carisma inegável, nos levando a compreendê-lo em seus momentos mais difíceis também. Embora eu tenha certeza de que o roteiro descrevesse as ações de Peter mais ou menos assim:

PETER (sério)
O que aconteceu aos meus pais?!

TIO BEN
Eu não sei Peter, você tem deveres...

PETER (Quase chorando)
Meus pais, quero saber!

TIO BEN
(Conselho paterno genérico)

PETER (Chorando)
Eu não tenho paaaais, buááááá

QUALQUER UM
(frase edificante padrão)

PETER (parando de chorar)
Esse é o meu dever...

QUALQUER UM OUTRA VEZ
(Qualquer coisa, pouco importa)

PETER (Chorando de novo)
Mas meus Paaaaiss!!!

     Mas se o nosso herói ganha o rosto do talentoso Garfield, o Lagarto ganha a personificação do pouco expressivo Rhys Ifans que pouco tem a fazer (e pouco faz) com seu personagem. Já Emma Stone repete sua garota colegial em que se travou depois do ótimo A Mentira, mas se beneficia de uma ótima química com seu par romântico. E o resto do elenco passa despercebido, seja Martin Sheen, Sally Field ou Denis Leary, não deixam marca alguma que não seja a de substituir personagens com quem já havíamos nos relacionado muito bem antes.


     A trilha de James Horner, embora de vez em quando inconveniente e sem criar um tema memorável, marca o filme em alguns bons momentos como o que o herói tem que se deslocar por uma longa distância ferido pendurando-se em gruas estendidas sobre a avenida abaixo. Mas que fique notado o uso de gritos puxados para um canto Africano, que marcava sua trilha em Avatar, ou os pianinhos delicados que fizeram a famosa trilha de Titanic, também de sua autoria.


     E no final, nem o uso do 3D consegue algum efeito, nem de divertir e nem de deixar a imagem mais bonita, pelo contrário, escurece a fotografia já sombria de John Shwartzman. E a profundidade é quase nula na maior parte da projeção, salvo alguns meros segundos em que acompanhamos uma câmera subjetiva do ponto de vista do Aranha, o que não deixa de ser extremamente decepcionante tendo em vista que é um caso raro (hoje em dia) de um filme realmente filmado no formato. O que só me traz mais repulsa ao projeto, mostrando que os produtores pouco se preocuparam em preparar sua equipe para o uso da tecnologia, socando-a no projeto para ter mais uma garantia, entre as tantas outras, de que o filme faturaria sendo bom ou não. Assim, sem criar grandes momentos, ou sequer se preocupar em desenvolver seus personagens, O Espetacular Homem Aranha reserva poucos planos em que cada um dos bons profissionais envolvidos entrega uma pequena amostra de sua competência perdida em meio a tanta pressão de um estúdio maniqueísta. Exemplo é o take em que o Doutor Connors posiciona apenas metade do corpo em uma porta de vidro de modo a se ver refletido, vislumbrando como ele seria se tivesse os dois braços inteiros, em um momento inspirado de Webb na direção. E se fizer alguma diferença para você (não fez pra mim), fique para os créditos, há lá uma desnecessária cena, um pequeno gancho para um novo filme que ao que tudo indica, não deve demorar a chegar aos cinemas. Esperemos apenas para uma inevitável continuação, menos ânsia por parte da Sony de fazer montanhas de dinheiro a qualquer custo, no caso, o custo da nossa paciência. Afinal, estão nos vendendo um produto que já compramos, apenas trocaram a embalagem. 


NOTA: 5/10

3 comentários:

  1. muito bom, Yuri. concordo em grau e genêro. me fez bocejar do início ao fim

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  2. Para mim o melhor filme de super-herói do ano (não venha reclamar de The Avengers, to falando de super herói solo). Andrew Garfield definitivamente foi feito para ser o Peter Parker e a Emma Stone, a nossa queridinha, está perfeita com a Gwen. Diferente da Kirsten Stewart que fica com cara de limão azedo, a Gwen não tem medo de enfrentar o perigo.
    Ao lado de Batman esse é o melhor Reebot de um super-herói.

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  3. "Mesmo que vítima da mistura braba de estilos no roteiro, Andrew Garfield encontra em seu Peter Parker um jovem adulto sarcástico e menos bananão que o de Tobey Maguire. O ator confere a Peter um carisma inegável, nos levando a compreendê-lo em seus momentos mais difíceis também." taí o que eu gostei no filme. Eu gostei da trilha sonora, mas como eu não sei nada de trilhas sonoras, então minha opinião não conta. Ignorando todas essas informações, dá pra gostar do filme quando se vai ao cinema só pra assistir um filme qualquer que esteja passando. Como a comparação com o outro 'homem-aranha' é inevitável, te digo que eu prefiro essa nova embalagem ;]

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