segunda-feira, 23 de julho de 2012

ESPECIAL BATMAN: PARTE 2


"WHY DO WE FALL?"

"Por que caímos, Bruce?" pergunta retoricamente Thomas Wayne ao filho após este ser resgatado de um poço no qual caiu acidentalmente, logo respondendo a própria pergunta ele diz: "Para aprendermos a levantar".

Batman nunca foi o herói preferido entre as crianças (ele não era o meu). Sombrio e sem nenhum "poder bacana", o morcegão nunca teve um grande apelo para com o grande público, e todas suas versões anteriores que fizeram sucesso se calcam no humor, no "estranho" e em vilões coloridos e absurdos para chamar atenção. Era o caso da série de TV e dos filmes de Tim Burton. Mas esta é uma análise rasa, quase tola. Assim como as visões do personagem que nos haviam sido apresentadas até 2005 nas telas do cinema. Sim, pois nas HQs o herói já havia ganhado versões mais sombrias ainda na década de oitenta e sua transposição para o cinema nestes moldes foi um acerto e tanto seja de Christopher Nolan, David S. Goyer ou dos produtores da Warner responsáveis por garantir o sucesso de uma nova franquia.

E o que torna este novo Batman/Bruce Wayne um sujeito cativante? Ou o que pode torná-lo alguém com quem não conseguimos nos identificar? Pois bem, assim como um animal exótico exibido num zoológico, este Batman é algo que não estamos acostumados a ver por ai. Um espécime de real altruísmo (discuto mais aprofundadamente este ponto adiante) e compaixão. "Ah, mas Yuri, isto o Homem Aranha é também! E o Superman e o Capitão América..." Sim! Realmente, são heróis bondosos e cheios de compaixão. Aí que entra então o fascínio exalado pelo Batman nas mãos de Nolan. O diretor reverte o que se tentava fazer com o personagem até então. Enquanto anteriormente o herói era levado para as telas em situações fantasiosas, com vilões mais fantasiosos em tramas contadas de maneiras mais fantasiosas, compensando a falta de poderes (que não seja seu cartão crédito) em relação a outros heróis, em Batman Begins Nolan assume Batman como um herói de carne e osso, colocando o personagem e seu mundo com os "pés no chão". E isto faz toda a diferença, pois enquanto nos soa normal que o jovem Peter Parker (por melhor que tenha sido sua educação) em meio a agitada New York se arrisque todos os dias para salvar todos a seu alcance de situações perigosas, este personagem só nos é tragável pela abordagem "fantasiosa" (ótima, diga-se de passagem) feita por Sam Raimi naquele longa. Já ao retratar Gotham City como uma cidade real, com vilões reais e táteis, o altruísmo de Batman se destaca, chamando a atenção do público. Afinal, no mundo real, não é comum ver este tipo de atitude ou comportamento em um ser humano, principalmente em um que é o representante da sempre inescrupulosa indústria, como Bruce Wayne o é. E por isso o personagem torna-se tão mais interessante nesta revisão mais realista, pois para tornar o protagonista algo que chame a atenção e se destaque tanto quanto seus esquisitos vilões, era necessário que algo fizesse dele alguém diferente dos outros cidadãos de Gotham, algo que não fosse o simples fato de possuir montanhas de dinheiro como acontece a Tony Stark e seu Homem de Ferro. Nolan tira o mundo fantasioso de Batman, mas mantém seu altruísmo quase impossível no mundo real, assim, destacando seu herói.

"IT'S NOT WHO I AM UNDERNEATH, BUT WHAT I DO THAT DEFINES ME"

A única pessoa a quem Bruce escolhe contar que ele é o homem vestido de morcego salvando vidas em Gotham, é a Rachel. Alfred esteve presente em todo o desenvolvimento, portanto não precisou ser informado. Mais tarde quando precisou de ajuda para curar Bruce do envenenamento pelo gás do Doutor Crane (chegarei nos vilões já), Alfred conta a Lucius Fox que torna-se o principal fornecedor de equipamentos ao Batman. Ao final de Batman Begins confrontado por Rachel sobre as chances que Batman tinha de morrer durante sua missão de salvar Gotham do plano de Ra's Al Ghul, o personagem vira-se e diz: "Não é quem eu sou por dentro, mas o que eu faço que me define" revelando assim por tabela que sua identidade era Bruce Wayne. Porém, o herói não o faz para que caso morra, fique no anonimato e ninguém saiba que ele era o Batman, e sim porque considera as chances de morrer e ficar sob a visão de Rachel como um playboy babaca e egoísta. Bruce ao revelar sua identidade à garota que ama, não pretende ganhar créditos com isso, ele apenas quer que ela saiba que estava certa sobre ele. Quer garantir que se caso sobreviva, ele poderá contar com ela. E a prova de que não é com sua reputação que ele está preocupado vêm algumas cenas antes, quando Bruce banca o idiota de propósito para salvar os convidados de sua festa do incêndio que seria provocado por Ra's Al Ghul em sua mansão. O milionário abre mão completamente de sua reputação para salvar aquelas pessoas, provando que o que Bruce Wayne busca não é reconhecimento pelas ações de Batman. Ele é um ser dedicado a sua causa de trazer o simples e velho "bem" a sua cidade.

Mas é ao final de O Cavaleiro das Trevas que Bruce estabelece o tamanho de seu altruísmo e de sua dedicação a sua causa. Ao constatar os terríveis feitos de Harvey Dent, a quem ele havia apoiado e ajudado a ganhar popularidade, o herói decide assumir os crimes do promotor para salvar sua cidade do caos em que ela se transformaria caso soubessem que a paz em que viveriam era fruto do trabalho de um criminoso. E assim, Batman não só assume o fardo como também aposta que isto será o suficiente para garantir a paz em Gotham, aposentando o uniforme do homem morcego. E sob um discurso do comissário Gordon e de um mashup das faixas "A Dark Knight" e "I'm Not a Hero" da trilha maravilhosa de Hans Zimmer e James Newton Howard (postadas abaixo), o herói adentra a escuridão e as entranhas de Gotham em um ato de sacrifico próprio tão denso, intenso e profundo como poucos que vimos no cinema. Um sacrifício que se não é tão grande quanto dar a própria vida, possuí pelo menos o mesmo peso dramático. Um ato de verdadeiro altruísmo definindo apenas ali, sim, ali, no final do segundo filme, Batman como o herói física e psicologicamente preparado para ser aquele que conhecemos.



"YOU'RE JUST A FREAK, LIKE ME"

Uma das coisas que mais aprecio nos Batman's de Nolan é a naturalidade com que introduz seus vilões. Mesmo em O Cavaleiro das Trevas que tem um antagonista bem definido, sua entrada em cena, seu desenvolvimento e seu destino final são tratados com extrema realidade. Não é como acontece na maioria dos outros filmes de super heróis em que cada longa parece ser dedicado ao surgimento e derrota de um novo vilão. Nas trilogias Homem Aranha e X-men isto é bem definido. Homem Aranha 2 acontece em torno do Doutor Octopus assim como X-men acontece em torno dos planos de Magneto. E não estou diminuindo estes filmes, apenas comparando as diferentes abordagens. O que quero dizer é: Nolan põe seus personagens a favor da trama e não o contrário. Por exemplo, por Begins e O Cavaleiro das Trevas, já passaram pela tela pelo menos oito vilões saídos das HQs. Em dois filmes, oito vilões. Sob a batuta de qualquer outro realizador talvez tivesse havido oito filmes, cada um para que o herói tivesse como algoz um destes vilões.


Em Batman Begins conhecemos primeiramente Ra's Al Ghul, que do senhor "natureba evil" retratado nas HQs torna-se um idealista em busca da perfeição. Ele não é mau ou cruel, ele é apenas metódico e frio. Os sacrifícios humanos em busca da perfeição para ele são necessários. Se há um grande vilão no filme seria ele. Ao que Nolan nos apresenta então Carmine Falcone (nas HQs, o "Romano"), um mafioso que tem as autoridades de Gotham na palma da mão, controlando a cidade através do medo que exerce sobre as pessoas. Durante o filme descobrimos que Falcone é responsável por trazer as drogas, que Ra's Al Ghul usará em seu plano, junto com as outras que o criminoso já trazia para dentro da cidade. Para garantir que a polícia não se envolva nesse contrabando, Falcone suborna o corrupto Tenente Flass, que é um pequeno vilão, mais de Gordon do que do Batman, na HQ Ano Um, e que aqui, embora ganhe uma encarnação mais obtusa e menos ameaçadora, marca presença como uma das figuras entre Batman e a limpeza da cidade. Mas precisava-se de alguém para tratar a droga e prepará-la para ser despejada nas águas de Gotham. O responsável por esta tarefa é o Doutor Jonathan Crane, apaixonado pela loucura e a insanidade de seus pacientes, o psiquiatra aproveita uma parte do composto fornecido por Ra's Al Ghul para testar suas fórmulas nos internos do Asilo Arkham, enquanto dá o destino combinado ao resto dele. Crane e seu composto do medo são conhecidos das HQs, o Doutor vem mais tarde a se tornar o conhecido vilão Espantalho. Entendem então o que eu quero dizer? Quatro vilões das HQs em apenas um filme, inseridos naturalmente na trama, com funções que a empurram pra frente. Nolan entende que no mundo real os vilões são assim, não agem sozinhos, sempre há vilões menores prontos a ajudar, cada um no que sabe fazer. E assim, vilões icônicos das HQs ganham suas versões "realistas" em tela. E se nas HQs a figura do Espantalho montado sobre um cavalo causando o terror era algo comum, Nolan faz com que isso seja também aceitável se visto naquele mundo. Ao introduzir esta cena em um ambiente de caos onde o Doutor Crane, já enlouquecido pelo próprio veneno, cavalga um animal que provavelmente pertencia a guarda montada da polícia. Assim, torna-se uma tarefa cativante ver cada um destes seres saírem das páginas e se concretizarem de maneira crível na tela.


Ao final então de Begins, Gordon entrega a Batman o "cartão de visita" de um novo criminoso, o Coringa. A introdução simplesmente genial (Nolan já assumiu ter se inspirado em Fogo contra Fogo para realizá-la) de O Cavaleiro das Trevas e a entonação com que Batman diz "ele de novo?" quando Gordon lhe revela o responsável pelo assalto ao banco, são detalhes que nos dizem muito sobre a convivência com a presença deste criminoso. Ou seja, passou-se algum tempo entre um filme e outro, e o tal Coringa já vem aprontando desde então. E nem ele é um inimigo tão importante assim naquele momento, já que Batman ainda desconhece seu potencial para a vilania e logo prefere caçar a máfia inteira do que um criminoso só. É quando no tribunal somos apresentados a Harvey Dent que todos sabemos irá se tornar o Duas Caras. Lá o encontramos ao lado de Rachel (lembra dela? O amor da vida de Bruce Wayne?) processando Salvatore Maroni que tomou o controle da organização criminosa após Falcone ter sido internado fora de si. Maroni é outro vilão vindo das HQs (lá ele morre pelas mãos de Alberto Falcone, filho de Carmine), aqui um de seus capangas tenta matar Hervey Dent em pleno tribunal. Algo que se no filme serve para estabelecer o caráter destemido de Dent e sua obsessão por fazer justiça, acaba servindo também aos fãs das HQs que ganham pelo menos uma homenagem à icônica cena dos quadrinhos onde o próprio Maroni jogava ácido no rosto do promotor, transformando-o no perturbado vilão que conhecemos. E pra finalizar, outro vilão que aparece, mas que no filme não é tratado como um, é o comissário Loeb, que antecede o Tenente Gordon no cargo, e que no filme não é um "carinha do bem" nem do mal, mas que nas HQs é um corrupto que se associa a Falcone e apoia que Flass ameace Gordon, encobrindo as ações da violenta SWAT de Gotham contra civis e contra o próprio Batman. Mais quatro vilões vindos das HQs e inseridos de forma natural na trama, de forma a servi-la. Mas um deles, um dentre estes quatro merece uma avaliação melhor.

"...OR YOU LIVE LONG ENOUGH TO SEE YOURSELF BECOME THE VILLAIN" 

Muito já foi dito e discutido sobre o Coringa de O Cavaleiro das Trevas e não vou negar aqui que é um dos meus vilões favoritos de todos os tempos. Sua áurea ameaçadora provida pela total falta de informações sobre suas motivações, a interpretação genial de Heat Ledger, o papel caótico e as linhas marcantes ditas pelo personagem e escritas por Jonathan e Christopher Nolan, a caracterização icônica do personagem, todos elementos que fizeram do Coringa um dos personagens mais populares de todos os tempos quase que instantaneamente. Porém, não é do palhaço psicopata que quero falar, e sim, de Harvey Dent e seu arco para se tornar um vilão. Nolan trabalha muito bem a transformação da personalidade do promotor em Duas-Caras, dando embasamento a seus atos, tornando-o crível e tal mudança convincente, conseguindo ainda usá-lo efetivamente como vilão dentro do filme. Coisa que George Lucas fez muito atrapalhadamente em três filmes com Darth Vader, Nolan faz de forma satisfatória em apenas um.

Conhecemos Dent, sua busca por justiça, seu amor a Rachel e sua moeda de dois lados iguais. A transformação de Harvey em Duas Caras a meu ver começa logo após a morte de Rachel. Empregando uma linguagem puramente visual a cena, Nolan "conta" a Harvey a sua perda de forma a explorar o máximo que o cinema pode nos dar em questões de linguagem. Pelo luto a morte da personagem, a cena teria de ser silenciosa, mas Dent precisava saber do acontecido. Então vemos o seguinte: Harvey acorda, vê a sua moeda da sorte ao lado da cama no hospital (a moeda estava com Rachel antes de eles se separarem), ele a pega e olha um de seus lados, que está intacto. Vira-a e constata que o outro está carbonizado, indicando que Rachel não escapou da explosão. Uma maneira elegante e altamente eficiente de mostrar Harvey começando sua jornada para se tornar o vilão. Seu pseudônimo já surge num diálogo com Gordon e suas motivações finais em outro com o Coringa. Então Duas Caras começa sua caçada aos responsáveis pela morte de Rachel. Veja, ele não é um ser monodimensional que só busca destruir o herói. É alguém perturbado procurando fazer justiça com as próprias mãos. Ele não é cruel, sua raiva do sistema corrupto e seus integrantes o domina, mas ele está preso à ideia da justiça imparcial. Note que ele não mata Ramirez, a policial corrupta que entregara Rachel aos bandidos. Em seu discurso final ele diz: "pensamos que podíamos ser homens decentes, em tempos indecentes" chegando ali então, ao ápice de sua transformação. E enquanto em outros filmes, o vilão teria sido deixado para uma continuação, Nolan respeita seu público não distorcendo a trama que quer contar por razões comerciais, deixando que o arco do vilão termine ali.

Foi o medo que criou o Batman, e o medo é a principal arma de seus inimigos. Medo é o efeito do gás do Espantalho, com o qual  Ra's Al Ghul queria destruir Gotham. Medo é a chave para o caos nas mãos do Coringa. 

"A DARK KNIGHT"

O plano genial onde Nolan inverte sua câmera num diálogo de Batman com o Coringa, não só colocando ambos no mesmo nível, mas praticamente desenhando na tela as visões totalmente díspares dos dois personagens, é um bom momento dos filmes para se observar a preocupação cinematográfica que o cineasta tem para com o projeto. E esta preocupação em dar profundidade aos longas é o que me permite estar aqui criando um post especial para analisar estes. E sei que uns dirão: "mas é só um filme do Batman", porém, enquanto cineastas como Nolan se dedicarem desta forma a não filmar apenas mais um filme, eu sentirei orgulho em dizer que gosto, aprecio e que posso analisar exemplares como Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas.

É por isso que a próxima parte do Especial sobre Batman será sobre ele, Christopher Nolan.
Enquanto isso não deixe de checar a primeira parte deste Especial clicando aqui.

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