sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS



     Emocionante, até certo ponto tocante e até mesmo reflexivo, este Histórias Cruzadas surge a princípio como um novo clássico em potencial sobre o racismo, pronto para figurar ao lado de filmes como A Cor Púrpura, Mississipi em Chamas e O Sol é para Todos. Mas durante suas demasiadas longas duas horas e vinte minutos de duração, o filme mostra-se cheio de convenções, falsos moralismos e apelações emocionalmente vazias que acabam fazendo-o soar por demais contraditório quanto ao tema que defende com unhas e dentes. Assim, não é que o filme seja ruim, só que suas tentativas de agarrar estatuetas no Oscar são tão aparentes que é impossível não julgar que o uso de um tema tão delicado quanto o racismo, é apenas uma desculpa para seus produtores subirem ao palco no próximo dia 26. Shame on you guys.



     Logo após se formar na faculdade de jornalismo, Skeeter (a competente Emma Stone) uma jovem (branca) retorna a casa onde cresceu e descobre que a antiga empregada doméstica (negra), a mulher que a criou praticamente, já não trabalha mais lá. Inconformada com o fato e incomodada com o tratamento dado a estas trabalhadoras por suas amigas, a garota decide secretamente escrever um livro que reuniria casos dos lares caucasianos contados pelo ponto de vista das empregadas afrodescendentes.


     Tate Taylor que assina como diretor e roteirista pode até não ter percebido isto ao escrever o roteiro (baseado no livro The Help de Kathryn Stockett), mas logo de saída já comete seu primeiro erro. Skeeter foi uma jovem criada neste meio, e por mais que sua postura mostre que a garota jamais se encaixou naquela sociedade, nunca nos é dada pista alguma de que ela alguma vez levantou sequer a voz para se pronunciar sobre o assunto que o filme aborda, o preconceito racial. Ainda que notemos desde o início da projeção sua desaprovação quanto a este tipo de pensamento, é terrível notar que aquilo que faz com que ela se motive seja uma perda pessoal. Ou seja, nossa "Heroína" (E não, Viola Davis não é nossa única protagonista) já começa a trama com motivações egoístas, afinal Skeeter só resolve fazer algo quando o problema a atinge pessoalmente. No caso, a já citada perda da querida empregada negra que a criou e de quem a garota muito gostava. Mas tudo bem, não está escrito em lugar algum que nossos protagonistas devem ser pessoas com motivações puras e incontestáveis sempre, mas com certeza exigimos uma certa honestidade dos filmes que assistimos, e que no mínimo, nos tratem como os espectadores inteligentes e capazes que somos, não tentando nos vender como boa moça e ícone de bom coração uma personagem cujas ações simplesmente não correspondem a essas características. Pois, ao começar a escrever o livro, ela arrisca muito pouco seu, em contrapartida, arrisca tudo que aquelas mulheres negras tem ao pedir-lhes depoimentos seus, já que este tipo de ato de rebeldia era proibido por lei no Mississipi. E pior, o grande objetivo da personagem durante o filme pouco parece ser divulgar os descasos feitos com aquelas pessoas. Isso é transposto como um bom efeito colateral a real ambição da garota, vender seu livro para uma famosa editora de New York e assim conquistar reputação para que esta lhe dê um emprego por lá.


     Enfim (suspiro de decepção), embora Taylor tente pintar Skeeter como uma figura cheia de tendências ativistas, é impossível ignorar o egoísmo implícito na garota, que assim como o filme do qual faz parte, usa da desgraça alheia para se alavancar. Ainda assim é compreensível simpatizar com ela, afinal é com carisma e doçura que Emma Stone constrói a personagem, usando de seus grandes olhos e sorriso característico para conquistar o público em uma atuação leve que cativa mais pela estabilidade que Stone mantém em Skeeter, do que pela sua recusa em transparecer a personagem que o roteiro realmente define.


     Não satisfeito em conduzir de maneira hipócrita a sua protagonista branca, Taylor consegue arrancar atuações caricatas e quase infantis de atrizes como Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer e até mesmo da talentosa Jessica Chastain (estas duas últimas injustamente indicadas ao Oscar de coadjuvante). Howard encarna a impreterivelmente má Hilly Holbrook, a quem o diretor Taylor dá uma deformação no rosto que surge e piora durante a projeção, temendo talvez que esfregar nas nossas fuças que aquela é a vilã da história não seja o bastante, decidindo assim enfiar com os dedos o fato pelos nossos narizes. E Howard se esforça? Quem vai saber! A personagem está tão enterrada em clichês que é impossível saber se a atriz fez algo de bom ou ruim pela mesma. Já Spencer faz graça o filme todo e qualquer drama envolvendo sua Minny é descartável e até irritante. Porém, me deixa triste que Chastain esteja indicada por este trabalho medíocre visto aqui, não que a excêntrica Celia Foote não seja vivida com entusiasmo pela atriz, mas com certeza, esta merecia figurar nas listas de indicados por A Árvore da Vida onde sua performance fantástica realmente faria jus a indicação.


     Agora Viola Davis está de parabéns (e esta sim, devidamente indicada ao Oscar de atriz), encarnando com emoção e garra e empregada Aibileen, a atriz é aquilo que faz valer pagar para se assistir o longa. E sua performance comovente, calcada em expressões angustiadas e cabisbaixas, devem ser a causa de o público simpatizar tanto com o filme. Afinal, nos minutos finais, Davis quase leva o público ao pranto usando apenas de seu empenho na personagem, tornando inclusive as investidas tolas de Taylor para trazer lágrimas aos olhos do espectador, completamente desnecessárias (criancinha gritando na janela não dá não é?). Viola compreende Aibileen, sua fala baixa caracteriza alguém que nunca pôde levantar a voz na vida, assim, mesmo nos momentos em que a personagem se mostra claramente irritada, é notável a calma que a atriz mantém em suas falas, ou a falta de gestos bruscos. E ao receber uma noticia particularmente dolorosa, é incrível ver Davis suspirando fundo e fechando os olhos, reprimindo seus sentimentos já que deixá-los transparecer causaria sua demissão imediata. Porém, é em mesma escala triste ver que sua personagem é usada de muleta por Skeeter e pelo próprio Taylor, que recusa a desenvolver esta e todas as outras personagens negras durante o filme. Se focando no grupo de socialites mesquinhas de quem o diretor aposta conseguir tirar mais momentos cômicos. Assim, Aibileen realmente age apenas nos instantes finais do filme, deixando na verdade, sua grande virada subentendida para o espectador que fica com a ideia de que ela vai se dar bem. Mas encaremos a realidade, [SPOILERS] quais as chances de uma empregada negra no Mississipi conseguir um emprego depois de ter sido acusada de roubo e de ter discutido com duas donas de casa brancas e influentes? E pior, quais são as chances desta mesma mulher conseguir ter um livro publicado nesta sociedade? Tenha dó... [FIM DOS SPOILERS]. 


     Assim o diretor e roteirista pouco se importa para com o desenvolvimento dos arcos dramáticos destas personagens, e quem ganha esta atenção, é claro, são os brancos! Vejam só! Um filme que fala justamente sobre o racismo encontra sua força ao exibir a evolução de personagens caucasianos que usam dos personagens negros justamente neste processo de evolução (ou involução), ignorando completamente as origens ou destinos destes últimos.


     E se o filme impressiona por sua recriação de época nos figurinos de Sharen Davis ou no Design de produção de Mark Ricker, que enchem a tela com a dedicação destes artistas que dão atenção aos mínimos detalhes de uma casa ou de um bairro em meados dos anos sessenta ou ao diferenciar os trajes coloridos das socialites das vestimentas em cores iguais e uniformes das empregadas negras, a direção já mais que criticada aqui de Tate Taylor é completamente apelativa. Assim ver a megera que é a mãe de Skeeter repentinamente ficar boazinha já nem incomoda mais depois de tanto "chororô" que nos é imposto pelo diretor, temos cenas de união de um grupo reprimido, um discurso de superioridade, uma injustiça revoltante e até mesmo uma personagem que após passar por tudo que passou, ainda tropeça e rala o joelho antes de chegar em casa (fato que adiciona a trama o quê mesmo?!). Enfim, um desastre cheio de convenções técnicas como ângulos baixos para personagens no poder e ângulos altos para personagens reprimidos.


     E no fim das contas, é irônico que um filme que se vende com a proposta de contar uma história sobre como os negros abriram a boca pra falar sobre as injustiças cometidas com eles, vence suas quase duas horas e meia de duração justamente calando estes personagens. E assim como Skeeter, ganha a vida e reputação usando suas histórias. A diferença entre Skeeter e Taylor? Skeeter queria um emprego, Taylor quer um Oscar...

P.S. O irritante é: Ele tem grandes chances de ganhar um...



NOTA: 5/10 


Nenhum comentário:

Postar um comentário