domingo, 7 de agosto de 2011

MELANCOLIA


         
PODE CONTER SPOILERS
     Se escuridão é a ausência de luz e maldade ausência de bondade, melancolia seria ausência de felicidade? É um bom questionamento para se começar a falar sobre o mais novo filme do controverso diretor Lars Von Trier. 


     Justine (Kirsten Dunst) acaba de casar, e em meio a festa ela acaba encontrando dificuldades em lidar com sua família. Seja com a irmã Claire (Charlotte Gainsbourg), que se esforça ao máximo para que tudo saia no horário certo, ou com seus pais Gaby (Charlotte Rampling) e Dexter (John Hurt) que totalmente perturbados por um fracassado casamento acabam responsáveis por inúmeros momentos constrangedores, ou mesmo seu Patrão Jack (Stellan Skarsgard) que insiste em arrancar da garota um slogan durante a festa. Porém, a aproximação de um enorme planeta chamado Melancolia, e a possibilidade deste se chocar com a Terra logo trará novas compreensões a Justine e a sua família.


     Um filme feito de contrastes, Melancolia trás a mesma estrutura adotada por Trier em seu polêmico (e esplêndido) projeto anterior, Anticristo. O prólogo em câmera lenta que contrasta diretamente com a câmera de mão inquieta usada durante todo o resto da projeção, a divisão em partes, e até nos acontecimentos, quando as situações ao passar do filme vão assumindo uma irreversibilidade caótica. E o diretor usa desta "fórmula" muito bem, até mesmo aperfeiçoando-a, já que o já citado prólogo é aqui não só parte da história, mas também parte da nossa experiência cinematográfica como espectadores. Usando uma montagem aparentemente aleatória e usando da bela fotografia que concede a estas cenas, Trier cria um clima de pesadelo autêntico, não precisando investir em nada muito impactante para inquietar o público nas cadeiras, já que este conhece a sensação de um sonho ruim, e é logo atingido psicologicamente pela montagem do diretor, que eficaz, serve para nos colocar na posição dos personagens que conheceremos mais durante o filme. Sendo assim, todo o drama do longa que poderia parecer até fútil, é perfeitamente compreensível por parte do público, já que este mesmo já experimentou nos minutos iniciais do filme a sensação. Então, enquanto em Anticristo, começar o filme daquela maneira podia ser apenas uma opção estética do diretor, aqui ela serve também a relação da trama com o espectador.


     Sabendo o que quer passar com seu filme, o diretor não hesita em conduzir a primeira parte do longa sob uma fotografia de palhetas de cores quentes, fechando seus quadros sempre que pode no rosto dos personagens, enfatizando a proximidade dos mesmo entre si, deixando que o bom roteiro trate de nos esclarecer a verdadeira natureza de suas relações. Justine é uma mulher que já está cansada de representar felicidade para as outras pessoas quando na verdade ela não sente nenhuma, e por isso entra em conflito com sua irmã Claire que faz de tudo para que o tal "teatro" aqui representado pela festa de casamento, saia nos conformes, já que se recusa a acreditar na infelicidade da irmã, porque isso acarretaria em ter de acreditar na sua própria. Dunst consegue impregnar sua personagem com a tal melancolia do título com seus olhares baixos e sorrisos vacilantes, o olhar desfocado e a postura encurvada de Justine. Mas é Gainsbourg quem rouba a cena, sempre ereta e dura, sua Claire consegue nos convencer de longe como uma mulher que tenta manter tudo sob uma meticulosa organização, mas que acima de tudo, teme que estes cuidados sejam em vão, recusando-se a admitir a superficialidade de suas ações. Kiefer Sutherland como o marido de Claire, John, assume um papel de paria entre as duas, já que seu personagem conhece tanto a verdade incontestável que representa Justine quanto o temor de admiti-la representada por Claire. E o faz bem, assumindo posturas diferentes diante de uma ou outra, Sutherland mantém um tom soturno e calmo que nos passa toda a força de equilíbrio interno representada por seu personagem.


     Assim, Trier nos passa para a segunda parte, aonde sua fotografia logo contrasta com a da primeira ao abrir os planos e investir em palhetas azuladas, demonstrando a solidão e o afastamento destes personagens. Aqui então o roteiro se prende fortemente a iminência da aproximação do Melancolia a Terra, nos apresentando aos medos de Claire de que este seja realmente o fim, e a Justine que aceita por fim sua natureza melancólica, e seu desprezo a vida. Assim as duas irmãs entram em choque completo, e o diretor tem nas mãos uma metáfora bem bolada. Afinal Justine é a representação da verdadeira natureza humana, que é a tristeza, e Claire é o instinto humano de se proteger, de perpetuar, aqui no caso através da auto ilusão quanto a felicidade, que é apenas uma máscara colocada sobre a melancolia. Então a pergunta que fiz no início do texto entraria aqui. Já que parece que é isto mesmo que Trier pretende afirmar. A vida na Terra é feita de melancolia, a felicidade é um jeito de escondê-la, assim quando esta última não está presente, só nos resta a outra. E a resposta é dada pelo próprio realizador, que afirma que melancolia é realmente ausência de felicidade, ao mostrar as tentativas frustradas de Claire de tentar resolver os problemas quando descobre a terrível verdade sobre o destino da Terra, e seu crescente desespero ao ver a "máscara" de felicidade que forjou, cair e revelar a verdade na qual ele se recusa a acreditar. E aqui também fazemos a ligação com um dos planos mostrados no prólogo do filme, que mostra Claire tentando fugir através do campo de golfe com seu filho no colo enquanto ambos se atolam na terra que parece engoli-los, note que o número do buraco por onde eles passam é 19, sendo que durante o filme é afirmado mais de uma vez que o campo continha apenas os necessários 18 buracos. Assim a futilidade de um décimo nono buraco é a mesma futilidade na qual Claire se afoga na tentativa de fugir da verdade. 


     Em dado momento da segunda parte, Justine diz a Claire que a Terra é o único planeta aonde existe vida, e que logo o Melancolia viria para exterminá-la. Assim pode-se concluir que na visão de Trier, a vida é uma doença para o universo, e o planeta que dá título ao filme, seria o anticorpo que vem combatê-la. E nada mais eficaz do que chamar o planeta este de "Melancolia", já que ele afirma que a própria vida é feita deste sentimento, ele acaba por dizer então, que somente a própria força pode se destruir. Somente o Melancolia poderia destruir a melancolia, somente a aceitação da natureza pode te fazer apto a destruí-la. Isso segundo a visão do diretor. E essa lição já não é velha? Já não vimos esta história de somente o criador pode destruir sua cria? Até de forma mais óbvia em histórias Como O Senhor dos Anéis onde o Um Anel só poderia ser destruído no fogo onde foi criado, ou em Harry Potter onde as Horcruxes só podiam ser destruídas por coisas realmente mortais, tendo em vista que elas eram feitas a partir da morte. Partindo desta lógica, é isto que Trier nos diz aqui. O sentimento melancólico, que é a vida na terra, só pode ser destruído pelo próprio sentimento já aceito e consolidado, por isso então a representação do Melancolia como um enorme planeta.


     E pra terminar suas metáforas, Trier encerra o filme em uma belíssima cena aonde vemos Justine representando a natureza da humanidade, aceitando a presença do planeta enorme que a consumirá. E vemos Claire em contraste, entregue ao desespero, já que ela representa o instinto de sobrevivência da humanidade. E com os dois elementos básicos de que são feitos os humanos (que fique claro, sob a visão do Diretor Lars Von Trier) unidos sob o fim, o filme encerra, não só sua duração, como a existência de vida em seu universo.


     Então, repleto de metáforas, com ótimas atuações, com um roteiro habilidoso em nos contar a história aos poucos, nos deixando descobri-la sozinhos e uma fotografia não só acertada como também essencial a compreensão da trama, o novo longa de Lars Von Trier merece os devidos aplausos, indiferentes as polêmicas em que o diretor se mete ou não. E é de longe que se afirma que o longa não é para todos, e sim para aqueles dispostos a desfrutar de uma linguagem nada Hollywoodiana e de uma trama que abra para muitas interpretações, sendo esta acima, a minha humilde opinião.

P.S. É engraçado notar em dada cena do filme, Trier -que rejeita os padrões Hollywoodianos de se fazer cinema- colocar sobre a cabeceira da cama de um dos personagens, bonequinhos da saga Star Wars, podendo ser ou não uma brincadeira do diretor. 


NOTA: 10/10 
   

Um comentário:

  1. Gostei muito da tua crítica!
    As metáforas de von Trier não são para qualquer um.
    Tenho que dizer: é o melhor filme do ano até agora.

    Abraço,
    Thomás
    http://www.brazilianmovieguy.blogspot.com/

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